Para
obter êxito em ação negatória de paternidade é necessário comprovar a
inexistência de vínculo genético e, além disso, de vínculo social e
afetivo. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por homem que, após mais
de 30 anos, pretendia anular os registros de nascimento das duas
filhas, nos quais consta o seu nome.
O
autor da ação sustentou que, após se casar, foi induzido a registrar
como suas as filhas que a esposa teve com outro homem. Na época, ele não
sabia que havia sido traído. Após um tempo, desconfiou da esposa, que
confessou a traição.
Apesar
disso, ele nunca contou às filhas que não era seu pai biológico, nem
mesmo após separar-se da esposa. Depois disso, a relação de pai
continuou. “Quando já eram moças, ficaram sabendo que eu não era o pai
delas. Eu senti muito, mas, para mim, sempre foram minhas filhas”, disse
o homem em depoimento.
O
autor explicou que só entrou com o processo devido a uma disputa sobre
bens, mas, independentemente disso, demonstrou o desejo de continuar
sendo “o pai do coração delas”.
Estado social
Em
primeira instância, a ação foi julgada improcedente em relação às duas,
mesmo que uma delas não tivesse contestado o pedido. Para o juiz,
embora o exame de DNA tenha oferecido resultado negativo para a
paternidade, a ocorrência da paternidade socioafetiva deve ser
considerada.
Na
segunda instância, a decisão do juiz foi mantida. Segundo a
desembargadora relatora do acórdão, “sendo a filiação um estado social,
comprovada a posse do estado de filhas, não se justifica a anulação do
registro de nascimento”. Para ela, a narrativa do próprio autor
demonstra a existência de vínculo parental.
No
recurso especial interposto no STJ, o autor sustentou que, apesar do
reconhecimento do vínculo social e afetivo entre ele e as filhas,
deveria prevalecer a verdade real, a paternidade biológica, sem a qual o
registro de nascimento deveria ser anulado, pois houve vício de
consentimento.
O
autor citou o julgamento proferido em outro recurso especial, na
Terceira Turma: “A realização do exame pelo método DNA, a comprovar
cientificamente a inexistência do vínculo genético, confere ao marido a
possibilidade de obter, por meio de ação negatória de paternidade, a
anulação do registro ocorrido com vício de consentimento.”
Convivência familiar
Para
o relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão, “em
conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e a Constituição
Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da
demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e
também de que não tenha sido constituído o estado de filiação,
fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na
convivência familiar”.
“A
pretensão voltada à impugnação da paternidade”, continuou ele, “não
pode prosperar quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto
conflito com a paternidade socioafetiva.”
O
relator explicou que não é novo na doutrina o reconhecimento de que a
negatória de paternidade, prevista no artigo 1.601 do Código Civil,
submete-se a outras considerações que não a simples base da
consanguinidade. Segundo ele, “exames laboratoriais hoje não são, em si,
suficientes para a negação de laços estabelecidos nos recônditos
espaços familiares”.
“A
paternidade atualmente deve ser considerada gênero do qual são espécies
a paternidade biológica e a socioafetiva”, disse Salomão. Segundo o
ministro, as instâncias ordinárias julgaram corretamente o caso ao negar
o pedido do autor e reconhecer a paternidade socioafetiva.
O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nenhum comentário:
Postar um comentário