A Quarta Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) decidiu que o fabricante do sabão em pó Ace deve
indenizar consumidora que teve reação alérgica grave ao utilizar o produto. O colegiado
entendeu que a empresa violou o dever de informar, na embalagem do produto,
sobre a forma correta de uso, além de não ter advertido sobre os cuidados a
serem adotados e os riscos oferecidos pela sua utilização.
A consumidora comprou o sabão em pó
para lavar roupas e fazer a limpeza da casa. Sentiu, após algum tempo, coceira
e queimação nas mãos e nos pés. O quadro evoluiu para vermelhidão, formação de
bolhas e dor, até que foi constatada dermatite de contato.
A usuária ajuizou ação de indenização.
Alegou que a Procter e Gamble, fabricante do sabão, colocou no mercado produto
que não oferecia segurança, pois não constava em sua embalagem “qualquer
alerta” acerca da possibilidade de o sabão causar irritação à pele ou outros
problemas.
O juízo de primeiro grau reconheceu a
responsabilidade da Procter e Gamble. Inconformada com a decisão, a empresa
apelou para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). A corte manteve a tese
de que houve defeito de informação do produto. Porém, reduziu o valor da indenização
por danos morais estabelecida na sentença, de R$ 70 mil para 50 salários
mínimos.
Só para roupas
A empresa sustentou que a
consumidora, além de possuir hipersensibilidade ao produto, utilizou-o de
maneira incorreta. Disse que o sabão é destinado à lavagem de roupas, mas a
cliente também o usou na limpeza de diversos cômodos da casa.
Segundo o artigo 12 do Código de
Defesa do Consumidor (CDC), “o fabricante, o produtor, o construtor, nacional
ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas,
manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”.
O código também traz possibilidades
que excluem a responsabilidade objetiva do fabricante: quando provar que não
colocou o produto no mercado; que não houve defeito no produto, ou que a culpa
foi exclusivamente do consumidor ou de terceiro.
Nexo causal
A Procter e Gamble quis afastar sua
responsabilidade no caso e para isso suscitou dois fatores passíveis de romper
o vínculo entre a sua conduta e o dano causado à consumidora: culpa exclusiva
da vítima e inexistência de defeito no produto, que é aprovado pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Para a empresa, o simples fato de a
cliente ter usado o sabão em pó para limpeza da casa, além da lavagem de
roupas, para o qual é destinado, seria suficiente para demonstrar sua culpa
exclusiva.
Entretanto, para o ministro Luis
Felipe Salomão, relator do recurso, usar sabão em pó para a limpeza do chão dos
cômodos da casa não representa uso “negligente” ou “anormal” do produto, nem
causa “estranheza” alguma, visto que essa prática é muito comum entre os
consumidores. Ressaltou ainda que o uso do sabão em pó como produto saneante é
um comportamento de “praxe” nas residências.
O relator afastou a hipótese de culpa
exclusiva da usuária. Para ele, o sabão não foi utilizado de maneira
inadequada, “absurda” ou “anômala”, mas sim “dentro da expectativa normal de um
seleto grupo de consumidores”.
Outro argumento utilizado pelo
fabricante para excluir a sua responsabilidade foi o da inexistência de defeito
no produto. Afirmou que a usuária era alérgica ao sabão, uma condição
individual de hipersensibilidade à substância.
Os ministros consideraram que o
quadro alérgico da consumidora foi uma resposta imunológica ao contato da pele
como o sabão, o que desencadeou uma reação denominada dermatite de contato.
Segundo o ministro Salomão, não foi constatado nenhum vício de fabricação do
sabão em pó, já que a hipersensibilidade da consumidora foi a responsável pelas
lesões.
Porém, mesmo reconhecendo que o
produto realmente não apresentou falha material, o relator apontou que as
instâncias ordinárias concluíram pela insuficiência das informações da
embalagem, o que não pode ser revisto no julgamento de recurso especial, pois
isso exigiria reexame de provas.
Defeito de informação
De acordo com a Quarta Turma, a
doutrina reconhece que o artigo 12 do CDC previu três modalidades de defeito
dos produtos: defeito de concepção, defeito de produção e defeito de
informação.
Em seu voto, o ministro Salomão
explicou que nesse caso houve defeito de informação, já que, conforme constava
na sentença, mera anotação em letras minúsculas na embalagem do produto,
dizendo que deve ser evitado o contato prolongado com a pele e que depois de
utilizar o produto o usuário deve lavar e secar as mãos, “não basta, como de
fato não bastou, para alertar de forma eficiente a autora”.
Os ministros constataram que houve
violação ao direito da consumidora de ser devidamente informada, visto que
faltou dizer de maneira “clara” que o produto só poderia ser utilizado para a
lavagem de roupas, que o contato com a pele deveria ser por tempo reduzido e
que poderiam ocorrer problemas alérgicos ou irritação.
A Turma entendeu ainda que, “além do
dever de informar sobre a forma correta de utilização do produto, com
instruções, todo fornecedor deve também advertir os usuários acerca de cuidados
e precauções a serem adotados, alertando sobre os riscos correspondentes”.
Dessa forma, reconheceu a responsabilidade civil do fabricante e manteve a
decisão do TJSP.
Processo relacionado: REsp 1358615
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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