É ilegal a cláusula que estipula prazo de carência de 12 meses para o recebimento dos valores de títulos de capitalização, quando há cancelamento por desistência antecipada ou inadimplência do consumidor no primeiro ano de vigência do contrato. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por maioria, negou provimento ao recurso da Real Capitalização e manteve acórdão da Justiça paulista.
Prevaleceu o voto da ministra Nancy
Andrighi, para quem a cláusula ultrapassa os limites do direito. Ela destacou
que a fixação de um prazo de carência não é da essência dos títulos de
capitalização, como a Real Capitalização alegava, e que não há semelhança entre
estes contratos e os de consórcio.
A posição é oposta ao que foi decidido em
2011 pela Quarta Turma do STJ no julgamento do REsp 1.216.673 (leia aqui).
Juntas, as duas Turmas compõem a Segunda Seção, que analisa as questões de
direito privado no Tribunal.
Desvantagem excessiva
A ação civil pública foi ajuizada pela
Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor (Anadec). Em
primeiro grau, foi declarada a nulidade da cláusula do contrato padrão, em
razão da “desvantagem excessiva ao consumidor pela dupla penalidade: a redução
do valor a restituir e o prazo”.
O juiz determinou ainda que “o prazo de
carência para devolução dos valores do consumidor desistente ou inadimplente
seja de 15 dias a partir da data em que pleiteada a devolução”. A sentença
também fixou multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento. O Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJSP) apenas reduziu o valor da multa.
Consórcios
A Real Capitalização recorreu ao STJ. O
relator, ministro Sidnei Beneti, considerou que a cláusula contestada não é
abusiva, “uma vez que se encontra em conformidade com a legislação específica
aplicável à espécie, bem como redigida de forma clara e precisa”.
Enfatizou, também, que a retenção dos
valores pelo prazo de carência não busca penalizar o consumidor, “mas garantir
o equilíbrio atuarial dessa modalidade de contrato, semelhante ao que já fora
reconhecido e vem sendo aplicado pelo STJ nos contratos de consórcio”.
Dinheiro indisponível
A ministra Nancy Andrighi, porém, apresentou
voto divergente. Ela ressaltou que, do ponto de vista econômico e social, esses
títulos de capitalização, ainda que não representem investimento, têm sua
importância no contexto brasileiro, em que o grande público bancário não tem a
cultura de investimento e poupança, e adere ao contrato motivado pela
possibilidade de premiação.
Nancy Andrighi enfatizou que a
Superintendência de Seguros Privados (Susep), por meio da Circular 365/08, em
seu artigo 23, define que a fixação de prazo de carência para resgate
antecipado é apenas facultada às sociedades de capitalização. Ela também
observou que, ao se desligar do título antes do fim da vigência contratada,
independentemente de prazo de carência, o valor a ser devolvido ao aplicador é
substancialmente inferior àquele que seria devido ao final do contrato.
“Embora essa não seja uma penalidade, mas
decorrência da formatação essencial do contrato, há um pesado prejuízo
financeiro de modo a desestimular a desistência voluntária do contrato”,
afirmou.
Capital individual
Quanto a outro ponto, a ministra entendeu
que os títulos de capitalização não são como os contratos de consórcio. Nos
consórcios, como o fundo formado a partir da contribuição dos integrantes é de
propriedade conjunta de todos, o interesse do grupo prevalece sobre o interesse
individual do consorciado. Daí, a jurisprudência do STJ de que o desistente de
consórcio deverá aguardar o término do grupo para devolução de suas parcelas.
A ministra explicou, porém, que, no caso
dos títulos de capitalização, há a formação de um grupo que perdura, ainda que
de forma flutuante. “A cada dia há a adesão de novos participantes e a retirada
de outros que já cumpriram o prazo contratado. O capital constituído a partir
da cota de capitalização é individual e não tem relação com o dos demais
participantes”, disse. Por isso, na visão da ministra, não se deve estender o
entendimento jurisprudencial dos consórcios aos títulos de capitalização.
Abuso de direito
O valor aplicado no título de
capitalização é dividido em três cotas, conforme a Susep: cota de sorteio (para
compor o prêmio), cota de carregamento (para custos e lucros da instituição) e
cota capitalizada (que é devolvida ao final da vigência do título, acrescida de
correção monetária). O prazo de carência nos casos de cancelamento é aplicado a
esta última, única passível de devolução.
A ministra Nancy assinala que antes dos
12 primeiros meses essa cota representa, em geral, um pequeno percentual de
cada aplicação, nos termos da legislação aplicável. Além disso, o resgate
antecipado da cota de capitalização não prejudica os demais titulares, tampouco
a sociedade de capitalização, já que não se comunica com as outras cotas.
Concluindo, a relatora afirmou que a
cláusula contraria os interesses dos titulares de títulos de capitalização, o
que afronta o Decreto-Lei 261/67, segundo o qual o controle da Susep sobre as
sociedades de capitalização deve ser exercido “no interesse dos portadores dos
títulos”. Assim, Nancy conclui que não apenas a cláusula é abusiva, mas a
própria norma infralegal (a Circular da Susep) que faculta a fixação de
carência também é ilegal.
Acompanharam o entendimento da ministra
Nancy, negando o recurso, os ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Villas Bôas
Cueva.
Processo relacionado: REsp 1354963 e REsp
1216673
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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