A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve o pagamento de duas pensões à viúva do fisiologista e farmacologista turco Haity Moussatché*, cientista renomado. Ela questionava ato do Tribunal de Contas da União (TCU) que determinou ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) o cancelamento das pensões, tendo em vista o artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal, que veda a acumulação remunerada de cargos públicos, com exceções previstas pelo próprio dispositivo. O TCU determinou a suspensão do pagamento por entender que as pensões não poderiam ser acumuladas.
A autora, atualmente com 87 anos de
idade, alega que recebia as pensões há mais de 14 anos, contados do
reconhecimento do direito pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Afirma tratar-se de benefícios convertidos das aposentadorias recebidas pelo
marido falecido.
A primeira delas, paga em razão de
aposentadoria compulsória, em 1970, do servidor falecido, com base no Ato
Institucional (AI) nº 5, na condição de pesquisador concursado do Instituto
Oswaldo Cruz - episódio conhecido como “Massacre dos Manguinhos”. A segunda pensão,
resultado de aposentadoria do servidor, com proventos proporcionais, após o
retorno do exílio por motivo de contrato de trabalho realizado entre 1986 e
1990, com o Ministério da Saúde.
Os advogados alegavam que sua cliente não
foi cientificada do processo administrativo previamente à anulação do
benefício. Sustentavam que os fatos ocorreram antes da Emenda Constitucional nº
20, de 15 de dezembro de 1998, que passou a vedar a cumulação de proventos, por
essa razão, ressaltavam ofensa ao contraditório, à ampla defesa, ao devido
processo legal, ao direito adquirido e aos princípios da segurança jurídica, da
boa-fé e da dignidade da pessoa humana.
Argumentavam a impossibilidade da revisão
administrativa por decurso do prazo quinquenal previsto no artigo 54, da Lei nº
9.784/99. Aduziam ser inaplicável ao caso o parágrafo 6º do artigo 40 da Carta
da República ante a situação excepcional do quadro, considerada a inatividade
compulsória baseada no Ato Institucional nº 5, que impediu a continuidade da
carreira e a aposentadoria normal do servidor como pesquisador do Instituto
Oswaldo Cruz, cujos proventos seriam superiores aos valores das pensões pagas.
A defesa apontava, ainda, que a situação excepcional ajusta-se às hipóteses de
reparação previstas no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias.
Manutenção das pensões
A matéria foi analisada pela Primeira
Turma durante análise do Mandado de Segurança (MS) 28700. O ministro Marco
Aurélio (relator) deferiu o pedido para cassar o ato administrativo questionado
e determinar a manutenção das pensões recebidas pela autora. O voto dele foi
seguido por unanimidade dos ministros.
Em abril de 2010, o relator já havia
deferido medida cautelar para manter o recebimento das pensões até o julgamento
de mérito da ação, realizado hoje (30). “Esse caso, a meu ver, confirma uma
profissão de fé - por mim adotada ao chegar à magistratura -, segundo a qual se
deve idealizar a solução mais justa para o conflito de interesse, depois ir-se
à dogmática buscar o indispensável apoio”, ressaltou. De acordo com o relator,
o entendimento do Supremo é pacífico sobre a questão. “Uma coisa é o Tribunal
de Contas atuar no campo da sugestão, outra coisa é quando o próprio tribunal
determina providências, como ocorreu. Por isso, a ilegitimidade passiva não
prospera”, entendeu.
Ele lembrou que uma das pensões refere-se
à aposentadoria que tem como pano de fundo “verdadeira indenização”, tendo em
vista o Ato Institucional nº 5º e o artigo 8º, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da Carta de 1988. “Todo e qualquer raciocínio deve ser
desenvolvido de modo a conferir, à anistia, maior amplitude”, disse. Segundo
ele, “isso decorre da natureza jurídica do instituto no que visa minimizar atos
nefastos do passado, implicando a reparação, se não a cabível, ao menos a
possível, a desprezar-se interpretação literal ou gramatical que, embora
seduzindo-a acaba por esvaziar o benefício e impede a reparação devida pelas
arbitrariedades cometidas”.
O ministro Marco Aurélio afirmou que a
primeira aposentadoria concedida ao marido falecido, data de 1970, vindo a ser
julgada pelo TCU sete anos depois. A segunda aposentadoria ocorreu em 1990 e
foi registrada em 1993. Conforme ele, os benefícios foram revertidos em pensões
no dia 25 de junho de 1998, antes da promulgação da publicação da Emenda
Constitucional nº 20/98.
“Assim, faz-se também em jogo a segurança
jurídica, mola mestra do próprio estado de direito”, ressaltou. “Sem definição
precisa quanto ao fato das pensões haverem sido registradas pelo TCU, veio a
ocorrer a glosa, colocando-se a situação na vala comum, apesar de uma delas
revelar verdadeira indenização, considerado o AI-5” ,
salientou o relator.
*Conforme informações da Fiocruz, Haity
Moussatché foi um dos pesquisadores cassados e aposentados durante o episódio
conhecido como “Massacre de Manguinhos” de 1970, em que o governo brasileiro
decretou a cassação de dez dos mais renomeados pesquisadores do Instituto
Oswaldo Cruz.
Fonte: Supremo Tribunal Federal
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