A 6ª Câmara do TRT-15 manteve sentença proferida pela Vara do Trabalho de Mogi Mirim, que condenou a reclamada, uma empresa do ramo de produção de alimentos, ao pagamento de R$ 10 mil de indenização por dano moral ao trabalhador que foi vítima de racismo no interior da empresa.
Segundo consta dos autos, o reclamante,
no dia dos fatos, após tomar banho e trocar de roupa, registrava o horário de
saída em seu cartão de ponto, no relógio existente no escritório, quando foi
repreendido por um colega. Segundo o ofendido, o colega “afirmou que o fato de
tomar banho antes de passar o cartão constituía uma afronta à política da
empresa”, e por isso ele “aplicaria uma advertência para que o autor aprendesse
a respeitá-lo”. E ainda completou a conversa com o seguinte comentário: “Mas,
também, sua raça não nega, olha a sua cor”. O comentário foi acompanhado de um
gesto. Para o ofendido, que é negro, o comentário foi bem compreendido, e o
trabalhador buscou na Justiça a reparação por ter sido desrespeitado.
A empresa se defendeu, afirmando que o
trabalhador que repreendeu o reclamante “não era o seu superior hierárquico” e
que ele teria repreendido “diversos empregados que registravam o ponto ‘já
prontos para a saída (…), pois a norma da empresa determina que o ponto seja
registrado ainda com os associados uniformizados’”. A empresa também afirmou
que esse funcionário já teria constatado “que o reclamante e outros associados
- cerca de vinte - continuavam a registrar o ponto” antes do banho. Por isso, o
funcionário teria expressado simplesmente: “Só podia ser mesmo”.
Para o relator do acórdão, o juiz
convocado Firmino Alves Lima, “a existência de norma interna, proibindo o
registro do horário de saída nos controles de frequência após banho ou troca de
uniforme, além de incontroversa, é irrelevante para o deslinde do feito”. O
magistrado enfatizou que “eventual ofensa moral sofrida pela vítima não se
justifica por suposta conduta indisciplinada por esta praticada”.
O acórdão ressaltou que o ônus de provar
suas alegações competia ao reclamante (artigos 818 da CLT e 333, inciso I, do
CPC) e que, “embora as testemunhas que tenha arrolado nada tenham confirmado
sobre o fato, a situação acabou sendo esclarecida por testemunha trazida pela
própria reclamada”. Esta admitiu que o ofensor teria dito “só podia ser mesmo”.
Outra testemunha (da empresa) arrematou a questão, informando que o funcionário
que ofendeu o colega teria sido advertido, “pelo tom de brincadeira que
utilizou na fila e pelo gesto inadequado”, e completou dizendo que o próprio
ofensor lhe disse que “teria feito gestos que poderiam ofender algumas pessoas,
ainda que em tom de brincadeira”. Segundo a testemunha, o ofensor “se referiu
ao gesto como ‘esfregar a mão no dorso da outra’”.
Para a Câmara, esse gesto é “notoriamente
depreciativo e racista e, em conjunto com a expressão proferida, revela a
intenção imprópria [do ofensor] de dizer que, somente por serem da raça negra é
que o reclamante e os demais que assim se enquadravam desatendiam à norma da
empresa”. Para o colegiado, ficou clara “a violação à intimidade, à honra e à
imagem do reclamante”.
O acórdão salientou que, nos termos do
artigo 932 do Código Civil, inciso III, “são também responsáveis pela reparação
civil (…) o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e
prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Por
isso, a decisão colegiada afirmou ser “irrelevante o cargo exercido pelo autor
do dano e se este ocupava ou não posição hierárquica superior ao do reclamante”.
A empresa tentou se defender de todo
jeito. O seu preposto negou o fato, mas reconheceu que o ofensor havia pedido
desculpas ao queixoso, “certamente por alguma ofensa perpetrada, reconhecendo
que alguma atitude grave teria ocorrido”. A primeira testemunha da reclamada
afirmou que o superior, “enquanto estava na fila, disse genericamente que não
podia se passar o registro sem uniforme”, mas, porque todos continuaram na
fila, ele registrou seu ponto e saiu falando: “Só podia ser mesmo”. Essa
testemunha disse também saber que o superior “pediu desculpas ao reclamante,
dizendo que não pretendia ofender ninguém e porque também não queria se
prejudicar na empresa”. A testemunha afirmou ainda que o supervisor teria
chamado o ofensor e o ofendido para conversarem, mas que não sabia os detalhes.
A segunda testemunha da empresa, um gerente de fluxo de valor (na época dos
fatos era o supervisor da turma), afirmou que foi procurado pelo ofendido na
semana seguinte dos fatos e que este lhe disse que, ao final da limpeza, teria
sido moralmente ofendido pelo colega, relativamente à sua cor. Segundo a
testemunha, numa conversa entre os três, o ofensor primeiro negou, depois disse
que foi “gozação”, mas que “nada falou sobre a raça ou a cor do reclamante”.
Mesmo assim, afirmou a testemunha, o ofensor disse que “se tivesse dito alguma
coisa, que o desculpasse, pois não havia intenção”. A testemunha disse ainda
que o ofensor foi advertido pelo tom de brincadeira que utilizou na fila e pelo
gesto inadequado.
Para a Câmara, “não há qualquer dúvida de
que a agressão ocorreu”. No entendimento do colegiado, “a alegação do tom de
brincadeira é inaceitável, e isso é o pior, uma atitude tão grave que pode ser
passada por brincadeira, nada ocasionando ao infrator”. Em conclusão, a decisão
colegiada afirmou que “não merece nenhum reparo a sentença de primeiro grau,
que agiu corretamente, e com alta sensibilidade social”. O acórdão determinou
ainda que fossem oficiados o Ministério Público Federal e o Ministério Público
do Trabalho, para as providências cabíveis no artigo 3º da Lei 9.029/1995,
“inclusive sugerindo instituir uma política de ação afirmativa na recorrente,
bem como as providências do referido crime na forma do artigo 5º, inciso XLII,
da Constituição Federal de 1988, e na forma da Lei 7.716/1989, conforme
determina o artigo 40 do Código de Processo Penal”. (Processo
0260600-80.2009.5.15.0022)
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da
15ª Região
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