Após sete meses de trabalho da
comissão de juristas criada para elaborar uma reforma penal, o ministro Gilson
Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), entregou ao presidente do Senado,
José Sarney, o anteprojeto do novo Código Penal (NCP). No ato, Sarney prometeu
dar seguimento à reforma legislativa empreendida em sua gestão com alterações
na Lei de Execuções Penais (LEP).
O presidente do Senado apontou que o
trabalho da comissão já é bem-sucedido. Segundo ele, desde o Código Penal
aprovado na década de 70 - que nunca entrou em vigor -, diversas iniciativas de
reforma não chegaram a ser concluídas. Isso levou à dispersão da legislação
penal, em especial após a década de 90. Como resultado, surgiram mais de mil
tipos penais distribuídos em mais de cem leis, as chamadas leis extravagantes.
Para Sarney, de forma diferente, o
NCP não será uma abstração. As polêmicas serão resolvidas de forma democrática
pelo parlamento. Ele espera terminar a votação da lei no Senado até o fim do
ano, e prevê a realização de audiências públicas para debater as questões.
Efetividade
Para o ministro Dipp, que presidiu a
comissão de juristas encarregada pelo Senado de elaborar o anteprojeto do NCP,
o aspecto mais importante da proposta é a consolidação das leis penais vigentes
no país em um único código, consistente, equilibrado e moderno, atual e voltado
para o futuro.
“Nós fizemos um grande sistema de
direito penal”, ressaltou. “É um código que saiu da mesmice dos feitos em
gabinetes por pessoas com alto grau de teoria, mas pouca experiência do mundo
que nos cerca. Não é mais drástico nem liberalizante; é equilibrado e reflete
os anseios da sociedade”, afirmou o ministro.
“Todos os grandes tipos penais
estarão em um único diploma legal. Isso vai facilitar enormemente a compreensão
da sociedade e dos operadores do direito, com uma legislação mais clara e mais
efetiva”, afirmou.
O ministro apontou também que a
comissão não evitou temas polêmicas ou tabus, mas que o foro adequado para
discuti-los é o parlamento: “Os debates serão acirrados, as controvérsias serão
mantidas. O país tem desigualdades econômicas, sociais, filosóficas, religiosas
e culturais muito grandes, e isso tudo deságua no parlamento. É essa casa,
representante do povo, que vai elaborar finalmente o código.”
Equilíbrio
Para o ministro, temas como bullying,
ortotanásia e eutanásia, penalização de pessoas jurídicas e outros são
polêmicos, mas já enfrentados por outras nações, em um sentido ou outro. Em seu
entender, o NCP é mais equilibrado e atual.
“Criamos o tipo penal do terrorismo,
mas revogamos a Lei de Segurança Nacional; revogamos a Lei de Contravenções
Penais - que não faz mais sentido -, mas tiramos dela e criminalizamos os jogos
de azar não regulamentados; criamos o tipo penal das milícias, que afligem
determinados estados”, exemplificou.
A defensora pública de São Paulo
Juliana Belloque, que participou da comissão, destacou que a legislação penal
não é salvação para todos os males do país. “Nós temos que equacioná-lo com
outras áreas do estado para tratar certas questões”, afirmou.
Ela se referia mais especificamente
ao tratamento dado ao usuário de drogas: “É preciso reprimir o tráfico, mas ter
inteligência com relação ao usuário. O estigma do usuário como criminoso
dificulta que ele procure ajuda, dificulta que a saúde pública trate esse
usuário de maneira eficiente, com educação. Se ele sabe que a porta de entrada
do estado é a delegacia e não um local de tratamento e educação, nós temos
dificuldade de atingi-lo”, concluiu, apontando que o resultado dessa situação é
o aumento do consumo e da dependência de drogas.
Já o procurador regional da República
Luiz Carlos Gonçalves, relator da comissão, destacou a equalização de certas
penas, como do homicídio culposo, que teve a máxima aumentada de três para oito
anos, ou até 11 em crime de trânsito.
“A vida no Brasil valia muito pouco.
Nós estivemos preocupados com a proteção dos bens jurídicos e com a segurança
pública”, afirmou. “Mas nós conseguimos o equilíbrio. A prisão, o
encarceramento, é como o antibiótico: se usado demais, se usado sem critério,
perde o efeito”, ponderou.
Democrático e transparente
Dipp também destacou o fato de que as
sessões deliberativas da comissão foram todas abertas, com a presença do
público e da imprensa. “A sociedade debatia conforme as propostas iam sendo
formuladas. Isso deu uma sensibilidade muito grande à comissão”, exaltou.
Segundo o serviço “Alô Senado”, a
sociedade enviou mais de 6 mil manifestações à comissão, que ouviu diretamente
os cidadãos em quatro audiências públicas e dois seminários realizados em seis
estados.
Anatomia cidadã
O senador Pedro Taques, autor da
proposição que deu origem à comissão de juristas, afirmou que o Código Penal em
vigor é parte da anatomia do estado criado em 1937, nascido de uma Constituição
não democrática. O novo projeto visará compatibilizar as normas penais, a
sociedade atual e a Constituição Cidadã, de 1988.
Taques também ressaltou a autonomia e
independência dos trabalhos da comissão, que se organizou e procedeu sem
interferências dos senadores. Para Taques, o anteprojeto marca a gestão de
Sarney, ao restabelecer o papel de liderança legislativa do parlamento frente a
outros Poderes da República.
O convite para juristas e
especialistas participarem da elaboração de projetos de reforma legislativa vem
sendo empregado de forma ampla pelo atual presidente do Senado. Além do NCP,
apresentado nesta quarta-feira, foram formadas comissões para reformar o Código
de Processo Penal (CPP), o Código de Processo Civil (CPC), o Código de Defesa
do Consumidor (CDC) e o Código Eleitoral (CE). Apenas neste último a
presidência da comissão não coube a ministro do STJ.
Segundo Sarney, a próxima etapa das
reformas com que se comprometeu será a Lei de Execuções Penais (LEP).
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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