Nos
termos do artigo 4º da Lei 5.764/71, as cooperativas são sociedades de
pessoas, constituídas para a prestação de serviços aos próprios
associados. Em outras palavras, o cooperado é, ao mesmo tempo, sócio e
destinatário de seus serviços. Nesse contexto, o cooperativismo visa à
reunião voluntária de esforços e economias para a realização de objetivo
comum. Surge aí o princípio da dupla qualidade, segundo o qual o sócio,
além de colaborar nas atividades, é também cliente da sociedade em
relação aos serviços que ela oferece. Por meio dessa análise, a juíza
substituta Renata Lopes Vale, em atuação na 27ª Vara do Trabalho de Belo
Horizonte, constatou que a contratação do reclamante como motorista,
através de cooperativa, caracterizou verdadeira fraude.
O
trabalhador procurou a Justiça do Trabalho, alegando que foi contratado
por uma empresa transportadora, por meio de cooperativa de
profissionais da área de transporte rodoviário de cargas e passageiros,
para prestar serviços de motorista a um grupo econômico. Mas, na sua
visão, tudo não passou de fraude, já que trabalhou durante todo o tempo e
sob as ordens das duas transportadoras, integrantes do grupo. Por isso,
pediu o reconhecimento da relação de emprego com a reclamada que o
contratou, com responsabilidade solidária da outra transportadora, bem
como da cooperativa. Embora a empresa tenha sustentado que celebrou
contrato lícito de prestação de serviços com a cooperativa, a magistrada
entendeu que quem está com a razão é o autor. Isso porque o princípio
da dupla qualidade não foi atendido. Não houve sequer indícios de que a
cooperativa tratasse o reclamante como seu beneficiário.
Ao
contrário, o que se percebe, simplesmente, é a oferta de força de
trabalho a terceiros, em moldes estritamente individuais, sem qualquer
atividade, função ou programa de serviços ou vantagens entregues
diretamente ao obreiro , ponderou a juíza sentenciante, frisando que a
única retribuição que o trabalhador recebia era o pagamento pelos
serviços realizados. Assim, ficou claro que ele não era também
destinatário dos serviços cooperados. O preposto reconheceu que as
empresas possuíam em seus quadros motoristas de coleta e entrega, assim
como o autor, e que não existia diferença entre as funções realizadas
por eles. Além disso, o reclamante trabalhava com uniforme do grupo e no
seu caminhão havia a logomarca do empreendimento.
A
testemunha ouvida assegurou que o motorista não poderia enviar outra
pessoa no seu lugar, caso precisasse faltar, e que ele recebia ordens do
encarregado das empresas. Assim, no entender da juíza sentenciante, não
há dúvida de que o reclamante não atuava como cooperado e, sim, como
empregado. Houve, no caso, contratação de mão de obra permanente, por
intermédio de locadora de serviços. Vê-se, dessa forma, que a
interposição de mão-de-obra ligada à atividade-fim da empresa é ilegal,
devendo ser obtida pela via comum, que é o contrato de emprego, pois não
se pode admitir o aluguel de mão-de-obra. Tal prática faz com que os
empregados percam as possibilidades de acesso à carreira e salário da
categoria. A situação agride, por óbvio, o princípio constitucional da
isonomia , ressaltou.
Considerando
que a contratação do trabalhador, por meio de cooperativa, foi
fraudulenta, e, ainda, por estarem preenchidos os requisitos do artigo
3º da CLT, a julgadora reconheceu o vínculo de emprego entre o autor e a
transportadora que o contratou e condenou, de forma solidária, as duas
empresas e a cooperativa ao pagamento das parcelas próprias da relação
empregatícia. A cooperativa e uma das reclamadas apresentaram recurso ao
TRT da 3ª Região, os quais não foram conhecidos, o primeiro, por
deserção, o segundo por ferir o princípio da unirrecorribilidade. (RO
0001086-87.2011.5.03.0106)
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
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