A
universidade é espaço para qualificação profissional, produção de
conhecimento e até festas. O período vivido neste ambiente se estende
por vários anos e é marcante para os que passaram pela academia. E como
onde há pessoas está o direito, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já
tratou de diversos casos envolvendo a responsabilidade dessas entidades
perante seus alunos.
O
STJ já discutiu se elas podem ser responsabilizadas em casos de
acidentes e crimes ocorridos dentro de sua propriedade. Alunos que se
sentem prejudicados também costumam procurar a Justiça. Confira alguns
processos em que o Tribunal se pronunciou sobre problemas na relação
entre as universidades e seus estudantes.
Perigo em aulas práticas
A
Segunda Turma do STJ manteve decisão que condenou a Universidade
Federal do Ceará (UFCE) a pagar indenização a estudante de odontologia
que perdeu visão do olho esquerdo quando a broca que manuseava em uma
aula prática se partiu. A aluna ficou incapacitada de exercer profissões
que exigem visão binocular.
O
tribunal local condenou a universidade em R$ 300 mil: metade por danos
morais e metade por danos materiais. No Recurso Especial (REsp) 637.246, a
universidade alegou que a culpa seria exclusiva da vítima, que se
recusou a usar óculos de proteção, apesar de orientada pelo professor no
início do semestre letivo.
O
relator do processo, ministro João Otávio de Noronha, entendeu que
“houve negligência em exigir e fiscalizar o uso, pelos estudantes
universitários, dos equipamentos de segurança”. A decisão foi mantida.
O
caso é semelhante ao tratado no REsp 772.980, em que responde a
Fundação Universidade de Brasília (Fub/UnB). Uma aluna sofreu acidente
com ácido sulfúrico em laboratório químico quando outro estagiário
encostou no braço dela um tubo de ensaio em alta temperatura. Como
consequência, ela derramou o ácido sobre si e sofreu queimaduras graves
no rosto, colo e braço. A Fub/UnB foi condenada a indenizar em R$ 35 mil
por danos morais, materiais e estéticos.
A
Justiça entendeu que a instituição foi imperita e imprudente ao não
oferecer estrutura segura para realização da atividade, uma vez que o
laboratório não era equipado com lava-olhos ou chuveiro de emergência,
impossibilitando que a vítima encontrasse água para remover a substância
do seu corpo e minimizar o dano. Também teria sido negligente ao não
manter orientador na sala de experimentos.
Bala perdida
A
Segunda Seção do STJ confirmou a responsabilidade das instituições de
ensino superior por manter a segurança dos estudantes, ao julgar recurso
da Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá (EREsp 876.448), que
questionava a obrigação de reparar danos causados a uma aluna por bala
perdida.
A
estudante foi atingida no campus, depois que traficantes ordenaram o
fechamento do comércio da região por meio de panfletos. A faculdade
manteve as aulas, e um projétil atingiu a estudante, deixando-a
tetraplégica.
O
ministro Raul Araújo, relator do processo, reconheceu que a ocorrência
de bala perdida não está entre os riscos normais da atividade da
universidade. Porém, ele concluiu que, ao menosprezar avisos de que
haveria tiroteios naquele dia, a Estácio falhou em cumprir seu papel de
proteger os estudantes.
A
universidade foi condenada a pagar pensão de um salário mínimo e
indenização por danos morais no valor de R$ 400 mil, além de R$ 200 mil
por danos estéticos.
Estupro provável
No
caso em que uma estudante foi estuprada ao voltar de festa dentro da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), a instituição
foi condenada a pagar indenização de R$ 100 mil à vítima. O caso foi
tratado pelo STJ no Agravo de Instrumento 1.152.301.
No
julgamento dos recursos da universidade, o STJ manteve o entendimento
do tribunal local. A universidade foi responsabilizada porque o crime
poderia ter sido evitado por medidas como instalação de iluminação
eficaz e contratação de seguranças. A corte local julgou que o risco de
dano era evidente “numa festa realizada para jovens universitários, cujo
ambiente era escuro e sem vigilância”.
Curso não reconhecido
Também
cabe punição à universidade quando ela for omissa ao não informar que
um curso oferecido pela instituição não é reconhecido pelo Ministério da
Educação (MEC). É o caso do REsp 1.121.275, em que aluno formado em
direito e aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi
impedido de obter registro da profissão por não ter apresentado diploma
reconhecido oficialmente.
A
Terceira Turma entendeu que a Universidade Bandeirante de São Paulo
(Uniban) violou o direito à informação do seu consumidor. A ministra
Nancy Andrighi afirmou que a obtenção do diploma era “uma expectativa
tácita e legítima” do estudante.
De
acordo com a relatora, o caso enquadra-se no Código de Defesa do
Consumidor (CDC), que impõe ao fornecedor a responsabilidade pela
reparação dos danos causados por “informações insuficientes ou
inadequadas” sobre produtos ou serviços por ele oferecidos. A
instituição foi condenada a indenizar o aluno em R$ 20 mil por danos
morais.
Ansiedade e incerteza
Alunas
graduadas em arquitetura pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel)
também entraram com ação contra a universidade, porque passados 18 meses
da formatura ainda não haviam recebido o diploma. Elas pediam
indenização por danos morais e materiais.
Para
o juízo de primeiro grau, o dano seria apenas hipotético, e a mera
ansiedade não teria relevância para convencer da seriedade do pedido. O
TJ gaúcho também negou indenização, afirmando que, mesmo passados sete
meses do registro superveniente do diploma, as autoras não haviam
conseguido emprego, revelando a falta de nexo causal entre os dois
fatos.
No
julgamento do REsp 631.204, porém, a ministra Nancy Andrighi confirmou a
existência de dano indenizável. Para ela, ao não ter avisado os
candidatos do risco de o curso ofertado em vestibular não vir a ser
reconhecido - o que impediu o registro do diploma, no caso analisado,
por dois anos após a formatura -, a UCPel expôs as autoras à ridícula
condição de “pseudoprofissionais”, com curso concluído mas impedidas de
exercer qualquer atividade relacionada a ele.
A
ministra julgou que as autoras foram constrangidas, por não poderem
atender às expectativas de pais, parentes, amigos e conhecidos, que
tinham como certa a diplomação.
“Não
há como negar o sentimento de frustração e engodo daquele, que, após
anos de dedicação, entremeados de muito estudo, privações, despesas
etc., descobre que não poderá aspirar a emprego na profissão para a qual
se preparou, tampouco realizar cursos de especialização, pós-graduação,
mestrado ou doutorado, nem prestar concursos públicos; tudo porque o
curso oferecido pela universidade não foi chancelado pelo MEC”, disse a
ministra.
A
falta de garantia da entrega do diploma também motivou a Terceira Turma
a conceder indenização de R$ 5 mil por danos morais às autoras devido
ao “enorme abalo psicológico” pelo qual passaram, corrigidos desde a
ocorrência do ilícito.
Estacionamento público
Já
ao analisar caso de furto dentro estacionamento de universidade
pública, a Primeira Turma afastou a responsabilidade do Estado. No REsp 1.081.532, a
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ficou isenta de pagar
indenização à vítima que teve carro furtado dentro do campus.
O
estacionamento da instituição não possuía controle de entrada e saída
de veículos ou vigilantes. O ministro Luiz Fux, então relator do caso,
adotou o entendimento de que o poder público deve assumir a
responsabilidade pela guarda do veículo apenas quando o espaço público
for dotado de vigilância especializada para esse fim.
A
corte local havia julgado que, ao contrário da iniciativa privada, que
visa obter lucro e captar clientela ao oferecer estacionamento, o estado
não pode ser responsabilizado se não cobra para isso nem oferece
serviço específico de guarda dos veículos.
Centro acadêmico
No REsp 1.189.273, a
Quarta Turma julgou que a universidade pode responder por práticas
consumeristas tidas como abusivas em ação civil pública ajuizada por
centro acadêmico (CA) em nome dos alunos que representa.
No
caso, foi convocada assembleia entre os estudantes para decidir a
questão. A Turma entendeu que a entidade possuía legitimidade para tal,
mesmo se não houvesse feito a reunião, uma vez que age no interesse dos
estudantes.
O
centro acadêmico de direito de uma universidade particular havia
entrado com ação objetivando reconhecimento de ilegalidade e abuso de
condutas da instituição, como o reajuste de anuidade sem observância do
prazo mínimo de divulgação e a imposição de número mínimo de 12 créditos
para efetuar a matrícula. A ação havia sido rejeitada nas instâncias
anteriores.
A
Turma determinou o retorno de processo ao tribunal de origem, para que o
mérito fosse analisado. “Os centros acadêmicos são, por excelência e
por força de lei, as entidades representativas de cada curso de nível
superior”, afirmou o relator, ministro Luis Felipe Salomão.
Dessa
forma, ele rejeitou as exigências - impostas pelas instâncias
ordinárias - de percentuais mínimos de apoio dos alunos à ação. Segundo o
ministro, pela previsão legal de representatividade dessas entidades, o
apoio deve ser presumido.
Ainda
segundo o relator, também não faria sentido exigir que o estatuto do CA
previsse expressamente a possibilidade de defesa de direitos
individuais dos alunos. Conforme o ministro, trata-se, no caso, de
substituição processual, e não de representação.
Processos
relacionados: REsp 1081532, REsp 1189273, REsp 637246, REsp 772980,
EREsp 876448, Ag 1152301, REsp 1121275 e REsp 631204
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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