A
10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) confirmou
sentença que condenou dois madeireiros de Cacequi, município da região
oeste do estado, a indenizarem em R$ 20 mil um trabalhador submetido a
condições de trabalho análogas às de escravo. Os réus atuam na produção
de dormentes para estradas de ferro. Eles firmaram contrato de prestação
de serviços com a América Latina Logística do Brasil (ALL), condenada
solidariamente na ação. A empresa de transporte de cargas comprometeu-se
expressamente, no contrato, a fiscalizar o cumprimento das obrigações
trabalhistas, além de garantir que os reclamados seriam seus
fornecedores exclusivos de dormentes.
De
acordo com informações do processo, o juiz de primeiro grau reconheceu
vínculo de emprego entre o trabalhador e os dois produtores no período
de junho de 2004 a
fevereiro de 2010. O empregado trabalhava como serrador e carregador de
madeiras. Após o encerramento da relação de emprego, ele ajuizou ação
na Justiça do Trabalho pleiteando a indenização, sob a alegação de que
foi submetido a condições desumanas e degradantes durante o contrato.
Segundo
afirmou o reclamante, suas atividades eram realizadas longe da cidade,
sendo que os acampamentos utilizados nessas ocasiões eram barracas de
plástico colocadas no mato, sem as mínimas condições de higiene. Ele
também declarou que sua alimentação era precária e inadequada a um
trabalhador braçal, além de ser descontada de seu salário. A água que
dispunha, por sua vez, era retirada de uma sanga, sem qualquer controle
de salubridade.
Ao
analisar o caso, o juiz de primeiro grau destacou o relatório de
fiscalização elaborado pela Superintendência do Trabalho e Emprego no
Rio Grande do Sul (SRTE-RS) em parceria com o Ministério Público do
Trabalho (MPT-RS) e as polícias Federal e Militar. O documento confirmou
as denúncias de trabalho análogo ao de escravo no interior de Cacequi.
Conforme
o relatório, foram encontrados 47 trabalhadores (dentre eles o
reclamante) efetuando corte de árvores para produção de dormentes de
trilhos de linhas férreas, sem registro formal e recrutados, em sua
maioria, no Mato Grosso do Sul e alguns até mesmo no Paraguai. Segundo
os auditores-fiscais, todos trabalhavam em jornadas exaustivas e em
péssimas condições. Eles afirmaram que os trabalhadores dormiam em
esponjas, sujeitos a animais peçonhentos, embaixo de acampamentos feitos
de lonas amarradas em árvores, expostos ao frio extremo e à umidade.
Não havia sanitários disponíveis e a água utilizada para consumo,
higiene e elaboração de alimentos provinha de um córrego, canal de
escoamento de agrotóxicos e produtos químicos das plantações de soja e
arroz das imediações.
Ainda
segundo a fiscalização do trabalho, a alimentação consistia basicamente
em arroz, feijão e massa, e só a cada quinze dias era oferecida alguma
carne, sendo que as comidas eram acondicionadas e cozidas de maneira
improvisada. Verificou-se, também, a prática do chamado truck system,
quando o empregado adquire dívidas em favor do empregador. Um dos
reclamados admitiu diante de um auditor-fiscal do trabalho que os
empregados vindos do Mato Grosso do Sul recebiam R$ 1 mil de
adiantamento, e que eram realizados descontos desse valor de acordo com a
produção.
O
outro reclamado, por sua vez, declarou ao MPT-RS que eram fornecidos
combustível, óleo queimado, peças para as motosserras e alimentos, cujos
valores eram anotados e descontados da produção a cada quatro ou seis
semanas. Geralmente o pessoal que vem trabalhar para a firma começa
devendo uns dois mil reais, afirmou o depoente. O relatório destaca, por
último, a existência de um armazém na propriedade dos reclamados, no
qual os trabalhadores eram obrigados a comprar creme dental, alimentos e
gasolina para as motosserras, devido ao isolamento e à distância entre o
local e o centro urbano mais próximo.
Alegações procedentes
Diante
desse contexto, o magistrado da VT de Alegrete julgou procedentes as
alegações do trabalhador e arbitrou o valor da indenização em R$ 10 mil,
decisão que gerou recurso da reclamada ALL e do trabalhador ao TRT4. A
empresa questionou sua responsabilidade no caso e o empregado solicitou
aumento do valor da indenização.
Ao
apreciar o recurso, o relator do acórdão na 10ª Turma, juiz convocado
Wilson Carvalho Dias (agora desembargador do TRT4), concluiu que apenas o
recurso do trabalhador deveria ser atendido. O caso é peculiar e
envolve a arregimentação de trabalhadores para o cumprimento de tarefas
em condições análogas à de escravidão, prática criminosa e que implicou
em violação aos direitos fundamentais mais básicos de cada trabalhador
por longo período de tempo, argumentou o magistrado. Para o julgador, a
majoração em R$ 20 mil é mais condizente com a gravidade do dano e
compatível com a condição econômica dos reclamados.
Processo RO 0000311-68.2010.5.04.0821
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região
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