quarta-feira, 30 de maio de 2012

Justiça do Trabalho gaúcha condena madeireiros por manterem trabalhador em condições análogas às de escravo


A 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) confirmou sentença que condenou dois madeireiros de Cacequi, município da região oeste do estado, a indenizarem em R$ 20 mil um trabalhador submetido a condições de trabalho análogas às de escravo. Os réus atuam na produção de dormentes para estradas de ferro. Eles firmaram contrato de prestação de serviços com a América Latina Logística do Brasil (ALL), condenada solidariamente na ação. A empresa de transporte de cargas comprometeu-se expressamente, no contrato, a fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas, além de garantir que os reclamados seriam seus fornecedores exclusivos de dormentes.

De acordo com informações do processo, o juiz de primeiro grau reconheceu vínculo de emprego entre o trabalhador e os dois produtores no período de junho de 2004 a fevereiro de 2010. O empregado trabalhava como serrador e carregador de madeiras. Após o encerramento da relação de emprego, ele ajuizou ação na Justiça do Trabalho pleiteando a indenização, sob a alegação de que foi submetido a condições desumanas e degradantes durante o contrato.

Segundo afirmou o reclamante, suas atividades eram realizadas longe da cidade, sendo que os acampamentos utilizados nessas ocasiões eram barracas de plástico colocadas no mato, sem as mínimas condições de higiene. Ele também declarou que sua alimentação era precária e inadequada a um trabalhador braçal, além de ser descontada de seu salário. A água que dispunha, por sua vez, era retirada de uma sanga, sem qualquer controle de salubridade.

Ao analisar o caso, o juiz de primeiro grau destacou o relatório de fiscalização elaborado pela Superintendência do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul (SRTE-RS) em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) e as polícias Federal e Militar. O documento confirmou as denúncias de trabalho análogo ao de escravo no interior de Cacequi.

Conforme o relatório, foram encontrados 47 trabalhadores (dentre eles o reclamante) efetuando corte de árvores para produção de dormentes de trilhos de linhas férreas, sem registro formal e recrutados, em sua maioria, no Mato Grosso do Sul e alguns até mesmo no Paraguai. Segundo os auditores-fiscais, todos trabalhavam em jornadas exaustivas e em péssimas condições. Eles afirmaram que os trabalhadores dormiam em esponjas, sujeitos a animais peçonhentos, embaixo de acampamentos feitos de lonas amarradas em árvores, expostos ao frio extremo e à umidade. Não havia sanitários disponíveis e a água utilizada para consumo, higiene e elaboração de alimentos provinha de um córrego, canal de escoamento de agrotóxicos e produtos químicos das plantações de soja e arroz das imediações.

Ainda segundo a fiscalização do trabalho, a alimentação consistia basicamente em arroz, feijão e massa, e só a cada quinze dias era oferecida alguma carne, sendo que as comidas eram acondicionadas e cozidas de maneira improvisada. Verificou-se, também, a prática do chamado truck system, quando o empregado adquire dívidas em favor do empregador. Um dos reclamados admitiu diante de um auditor-fiscal do trabalho que os empregados vindos do Mato Grosso do Sul recebiam R$ 1 mil de adiantamento, e que eram realizados descontos desse valor de acordo com a produção.

O outro reclamado, por sua vez, declarou ao MPT-RS que eram fornecidos combustível, óleo queimado, peças para as motosserras e alimentos, cujos valores eram anotados e descontados da produção a cada quatro ou seis semanas. Geralmente o pessoal que vem trabalhar para a firma começa devendo uns dois mil reais, afirmou o depoente. O relatório destaca, por último, a existência de um armazém na propriedade dos reclamados, no qual os trabalhadores eram obrigados a comprar creme dental, alimentos e gasolina para as motosserras, devido ao isolamento e à distância entre o local e o centro urbano mais próximo.

Alegações procedentes

Diante desse contexto, o magistrado da VT de Alegrete julgou procedentes as alegações do trabalhador e arbitrou o valor da indenização em R$ 10 mil, decisão que gerou recurso da reclamada ALL e do trabalhador ao TRT4. A empresa questionou sua responsabilidade no caso e o empregado solicitou aumento do valor da indenização.

Ao apreciar o recurso, o relator do acórdão na 10ª Turma, juiz convocado Wilson Carvalho Dias (agora desembargador do TRT4), concluiu que apenas o recurso do trabalhador deveria ser atendido. O caso é peculiar e envolve a arregimentação de trabalhadores para o cumprimento de tarefas em condições análogas à de escravidão, prática criminosa e que implicou em violação aos direitos fundamentais mais básicos de cada trabalhador por longo período de tempo, argumentou o magistrado. Para o julgador, a majoração em R$ 20 mil é mais condizente com a gravidade do dano e compatível com a condição econômica dos reclamados.

Processo RO 0000311-68.2010.5.04.0821

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região

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