segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Nunca se aceitará precarização, diz presidente do TST

Nunca se aceitará precarização, diz presidente do TST

A Consolidação das Leis do Trabalho deve passar por ajustes para atender às necessidades do mercado, sem que essas mudanças levem à precarização e à desvalorização do trabalho. A afirmação é do presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Carlos Alberto Reis de Paula, em entrevista publicada pelo site do tribunal. Ele defende ainda a valorização das ações de natureza coletiva e avalia as mudanças do Judiciário desde quando redigia sentenças à mão ou com máquinas de escrever.
Como o senhor avalia os 70 anos da CLT?
A CLT, ao longo de seus 70 anos, apesar de já ter sofrido inúmeras alterações, continua dialogando com a sociedade. E por que isso? O que dá vida à CLT são os seus princípios. A matriz está em seus princípios. A CLT fez com que o trabalhador se tornasse não apenas um "objeto", mas sujeito de direito na relação de trabalho, na qual ele é geralmente a parte mais frágil. Por isso, a CLT tem normas impositivas. Exatamente porque o Estado entende que é necessário preservar valores. Então essa permanência da CLT, a meu ver, se deve ao vigor de seus princípios. Mas, em momento algum, digo que a CLT está cristalizada. Ela vai sendo ajustada e adequada. Mas nunca, nesses ajustes, se aceitará a precarização, a desvalorização do trabalho.
Como o senhor avalia as mudanças nas relações de trabalho e na sociedade ao longo da sua trajetória profissional? A magistratura mudou desde quando o senhor se tornou juiz?
Mudou e isso é muito positivo! A Justiça do Trabalho mudou muito. Eu sou testemunha de vários fatos. Colocaria como primeiro marco a Constituição de 1988, não apenas na sociedade, mas também na Justiça Trabalhista, pois ela firmou a cidadania. Se uma pessoa se descobre como cidadão, ela se descobre como detentor de direitos e passa a ter voz. Outro marco foi a Emenda 45 e a criação do CNJ [Conselho Nacional de Justiça]. O cidadão ganha seu espaço dentro do Poder Judiciário e ele tem que ser ouvido. A Justiça está aí para isso, para servi-lo. Então, se eu for fazer uma análise do ponto de vista processual, do ponto de vista procedimental, o maior número de ações coletivas, a atuação do Ministério Público do Trabalho, as condições de trabalho dos juízes de primeiro grau com o PJe [processo judicial eletrônico], tudo foi alterado. A primeira sentença que dei, eu escrevi à mão. Depois, comprei uma máquina de escrever. A vida mudou. E o que a Justiça será? O que quisermos que ela seja, em observância às normas constitucionais e aos interesses da cidadania.
O senhor é um dos poucos representantes negros da magistratura brasileira. Como avalia sua carreira sob esse aspecto?
Se olharmos hoje para a presença do negro no Judiciário, tem aumentado. Quando eu entrei, era muito reduzida. Eu fui o primeiro ministro negro nomeado em grau superior. Hoje, temos o STF [Supremo Tribunal Federal] presidido pelo Joaquim Barbosa. As coisas mudaram. Qual o sentido disso? Tem valor histórico, mas tem também um motivo para reflexão. A sociedade brasileira tem que criar oportunidades para que todos os seus segmentos representativos estejam presentes nos âmbitos político, social e econômico. Para que todos os negros possam acreditar que é possível ocupar grandes cargos de representatividade na sociedade brasileira. Ações afirmativas são tão importantes que a própria Constituição prevê seu uso. O que se busca com ação afirmativa é uma melhor qualificação, para que se haja uma igualdade de oportunidades entre os indivíduos.
Como presidente do TST, o senhor abriu o tribunal para o debate com a sociedade. Por que o senhor considera importante esse tipo de iniciativa?
É um pouco do reflexo das minhas crenças. Para o Judiciário julgar, tem que estar próximo daqueles que são os protagonistas do julgamento. O juiz não integra o conflito de interesses. O conflito é entre o autor e o réu. Ora, se assim o é, é fundamental que autor e réu, ou a sociedade em geral, venham aqui e mostrem a sua realidade. Nós regulamos para a vida, para os fatos, e é necessário que esses fatos sejam de nosso conhecimento. Essa é a nossa preocupação. Por isso, fizemos os encontros, os debates. Acho que foi um trabalho que rendeu frutos muito positivos.
O senhor também promoveu comemorações relativas aos 70 anos da CLT.
Nós mobilizamos a comunidade. Não apenas a jurídica, mas toda a sociedade. Levamos essa data para dentro do Congresso. Fizemos sessão dentro do TST. Todas nossas atividades de acessibilidade, trabalho seguro, a memória do Direito do Trabalho, todas essas ações tiveram como mote os 70 anos de CLT. Ela é o grande referencial. Mas não foi um trabalho do TST, foi um trabalho de todos os tribunais, foram várias iniciativas. Lembro, inclusive, quando estivemos em São Paulo lançando o Programa de Combate ao Trabalho Infantil, que foi também um momento comemorativo dos 70 anos. Foi importante, pois trabalhamos a conscientização. Desenvolvemos um trabalho junto com as crianças com uma publicação, uma história em quadrinhos com a Turma da Mônica. Distribuímos mais de 30 mil exemplares sobre o trabalho infantil. Veja que coisa importante a própria criança entender que ela não pode aceitar de forma passiva o trabalho na sua idade. Ela nasceu para ser educada. Trabalhar jamais. Estamos plantando para colher os frutos no futuro.
Como foi o ano de 2013 para o TST em relação ao número de processos julgados?
Houve um crescimento muito grande no volume de casos novos. Fechamos o ano com mais de 293 mil processos, ou seja, um acrescimento de cerca de 30% sobre o volume de 2012.
Qual a consequência disso?
É grave, exige serviço mais intenso por parte dos juízes. Julgamos mais de 250 mil processos, uma média de aproximadamente 1.600 processos por ministro. É um numero extraordinário, que nos assusta.
E como os ministros têm enfrentado a situação?
Temos buscado julgar o máximo mantendo a qualidade. A providência imediata nesse ano foi possibilitarmos a realização de horas extras dos servidores e, assim, eles ajudaram de forma mais intensa, apresentando um rendimento quantitativamente mais expressivo. Porém, essa solução exclusivamente paliativa não mostrou ser o melhor caminho. Estamos conversando com os ministros para encontrar um melhor caminho para esse problema.
Que alternativas haveria?
Poderíamos cogitar convocar mais desembargadores dos tribunais regionais para participar de julgamentos de turma, julgamentos de agravos de instrumento e de recursos de revista. É um encaminhamento. Existe também a possibilidade de se aplicar o Princípio da Transcendência, que está na CLT, equivalente da Repercussão Geral. Seria uma forma, mas temos dificuldade com a regulamentação. Outra opção é o projeto de lei que está em tramitação no Congresso Nacional sobre alterações no sistema recursal trabalhista. Esse é um projeto muito importante. Teve origem no TST, já passou na Câmara dos Deputados e está no Senado Federal. Em 2014, vamos nos empenhar para que esse projeto tenha o seu devido curso e seja concluído com a sanção presidencial. O TST continua com seus grandes desafios. O maior é em relação a mantermos o julgamentos dos processos que nos chegam de forma célere e mantermos uma razoável qualidade nos julgamentos, sem esquecer da pessoa do magistrado, da pessoa do servidor, de todos os envolvidos no julgamento dos processos.  Afinal, queremos que os processos sejam julgados devidamente, mas mantendo um padrão de vida adequado àqueles que servem ao serviço público.
A que o senhor credita o crescimento no número de processos?
Há um aspecto positivo. Quando você bate à porta de alguém é porque você acha que esse alguém pode ter respostas para você. Quando alguém vem à Justiça do Trabalho, é porque confia nela. Ou seja, a Justiça ganha cada vez mais a confiança no cidadão. Agora, de outra sorte, temos que refletir sobre a necessidade de se ter tanta judicialização. Não haveria outras formas de resolver conflitos e interesses que permeiam os dissídios? Sei que o Congresso hoje está discutindo a intermediação e a arbitragem. É possível trazer esses mecanismos para a Justiça do Trabalho? Em tese, é. Mas é preciso ter o cuidado para preservamos os valores relativos ao trabalho. Eu continuo a entender que é preciso firmar, no processo do trabalho, uma outra vertente. Criar uma mentalidade de uma não valorização tão intensa dos dissídios individuais. Se cada um vir postular o seu direito individual, que muitas vezes é igual a outros demais, teremos uma incidência muito grande de ações, correndo-se o risco de termos decisões diversas para situação que são, no fundo, a mesma coisa, e que às vezes só se diferenciam no relato e na instrução. Então, eu continuo a entender que temos que ter é a valorização das ações de natureza coletiva. Assim, com uma decisão alcançaremos um número maior de envolvidos e ter uma homogeneidade das decisões.
O PJe pode contribuir para o crescimento do número de processos julgados?
O projeto judicial eletrônico é um instrumento de trabalho, no qual a Justiça trabalhista é pioneira. O PJe está implantado nos 24 tribunais regionais do trabalho e no TST. É um instrumento que visa à celeridade, à transparência. Ele é uma das formas da Justiça do Trabalho para enfrentar essa grande demanda a que assistimos.  Tivemos em 2013 um ano muito fértil em termos de PJe. Em 2012, contávamos com cerca de 234 varas funcionando com o sistema. Logo no início de 2013, alcançamos 340 varas. Hoje, temos 937 varas. É um número excepcional. Buscamos agora a estabilização. O PJe é definitivo e estamos em constante aperfeiçoamento do sistema, para que ele abra as melhores perspectivas possíveis.


Fonte: Conjur

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