O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é tido como um divisor de águas na economia brasileira desde que foi criado em 1990, por regulamentar as relações de consumo entre empresas e pessoas físicas, mas encontra-se defasado. O comércio eletrônico não existia quando o CDC entrou em vigor, e o superendividamento dos clientes era uma realidade impensada na época, marcada pela falta crônica de crédito.
Com o grande mercado consumidor do País, as ações
coletivas também devem entrar na atualização do código, que tramita no
Congresso Nacional, após mais de dois anos de debates e audiências públicas
entre empresas, sociedade civil, entidades de classe e especialistas no tema.
“A atualização do CDC deve se tornar realidade até o fim
de 2013”,
diz o promotor de Justiça Leonardo Roscoe Bessa, do Ministério Público do
Distrito Federal, um dos membros da comissão de juristas responsável pela
atualização do código.
A atualização do Código de Defesa do Consumidor foi um
dos temas debatidos no Fórum Jurídico Transformações Legais, realizado pela
Amcham-São Paulo nesta quinta-feira (28/02). Advogados e especialistas da área
jurídica se reuniram na Amcham para debater as principais mudanças judiciais
que devem mudar leis com impactos para o setor privado brasileiro a partir
deste ano.
Nova economia
“Quando o CDC surgiu, a internet ainda era absolutamente
nova e nem havia comércio eletrônico. Hoje, o código apenas regulamenta a venda
online indiretamente, então é preciso uma atualização para dar mais segurança
ao consumidor que se utiliza dessas compras”, explica o promotor.
O advogado Fredie Didier Jr., livre-docente em Direito Processual da Universidade de São Paulo (USP) e
sócio do escritório Didier, Sodré e Rosa Advocacia e Consultoria, diz que o CDC
foi um código feito para um mundo que não existe mais. “Não havia uma economia
de massa, não havia processo eletrônico. Passamos por uma mudança social,
tecnológica e jurídica absurda nesse período.”
Nem por isso perdem a importância os tópicos já
contemplados no CDC, que vão desde exigências de condições claras de pagamento
e cobrança de juros até possibilidade de devolução de produtos, criminalização
da publicidade enganosa e exigência de clara garantia aos produtos e serviços
comercializados no País.
Dívida demais
O passo mais importante da lei de 1990 foi o
entendimento de que o consumidor é o elo mais frágil da corrente. É deste ponto
que também parte, por exemplo, a atualização do CDC que visa a acabar com o
superendividamento do consumidor. “Houve a partir do período pós-Plano Real uma
ampliação do crédito no Brasil, o que é bastante positivo. Hoje as populações
mais pobres têm acesso ao crédito e conseguem comprar produtos de importância
grande como uma geladeira e uma televisão”, reconhece Bessa.
“Mas existe outro problema paralelo a essa oferta maior
de crédito, que é o crédito em excesso e irresponsável. O crédito precisa
acontecer de forma responsável, não só por quem toma o crédito, mas também por
quem concede”, diz. “Bancos e financeiras precisam olhar se a pessoa tem
condição de pagar aquela dívida e se ela não está se superendividando com
aquele crédito.”
Para os advogados, esse tema de superendividamento do
consumidor ainda mantém um vácuo no Brasil, sobretudo no que diz respeito à
resolução da dívida. Nos Estados Unidos, a prática é a de perdoar a dívida. “A
medida visa a incentivar o cliente a voltar a gastar.”
Na Europa, o modelo de tutela do devedor é o de
prolongar o prazo do débito. “O credor abre mão de algo, a dívida se estende e
mantém-se a possibilidade de o devedor preservar o essencial para sobreviver”,
explica Bessa.
Ele avalia que o modelo brasileiro tenderá a algo
parecido com o europeu, com negociação entre credor e devedor, além de
possibilidade de apoio de educação para o crédito. “Hoje, andando na rua se
esbarra no crédito. E a pessoa que tem uma dívida impossível de pagar sofre um
tipo de falência, que afeta não só a ela como a seus familiares, porque ficam
de lado despesas da casa.”
Ações coletivas
Bessa diz que as ações coletivas também devem ganhar
maior importância no novo código, visando a dar uniformidade às decisões. “As
ações que dividem uma mesma causa que afeta milhares de pessoas serão
prestigiadas”, analisa. “Porque ou se acaba com ela [o modelo de ação coletiva]
ou passa-se a prolongar o efeito desse tipo de decisão judicial para outras
esferas.”
O advogado Luíz Virgílio Manente, sócio do escritório
TozziniFreire Advogados, diz que as ações coletivas trazem a incerteza com
relação à jurisdição. “O Brasil é um continente, e nesse território tamanho há
diversas realidades socioeconômicas. Será que podemos permitir que um juiz de
Roraima tenha efeito sobre todo o território nacional?”
A questão apontada é a de como equilibrar as decisões para
evitar distorções de casos locais e casos nacionais. Bessa considera que a o
ideal é que o juiz saiba analisar a representatividade adequada. “É perigoso
cair na bagunça de ter que ajuizar dezenas de ações similares. Isso gera
insegurança jurídica.”
O debate ainda ocorre no Congresso. No Senado, três
projetos de lei regulam as atualizações do código (os PLs 281, 282 e 283). “O
que é preciso ressaltar é que as empresas acompanharam todo esse processo e
antes mesmo de criar o projeto a comissão ouviu as partes interessadas.”
“O que percebemos que
é polêmico ou que encontraria forte resistência das empresas afetadas foi
retirado. Muitas arestas já foram limadas por esse debate prévio”, explica. “O
saldo do debate demonstra que o Brasil está buscando dessas mudanças e, mesmo
com toda a dificuldade do Parlamento, os projetos estão aí para melhorar a vida
do brasileiro, do consumidor e do advogado.”
Fonte: Câmara Americana de Comércio
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