sábado, 2 de março de 2013

Superendividamento, comércio eletrônico e ações coletivas entram em atualização do Código Consumidor


O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é tido como um divisor de águas na economia brasileira desde que foi criado em 1990, por regulamentar as relações de consumo entre empresas e pessoas físicas, mas encontra-se defasado. O comércio eletrônico não existia quando o CDC entrou em vigor, e o superendividamento dos clientes era uma realidade impensada na época, marcada pela falta crônica de crédito.


Com o grande mercado consumidor do País, as ações coletivas também devem entrar na atualização do código, que tramita no Congresso Nacional, após mais de dois anos de debates e audiências públicas entre empresas, sociedade civil, entidades de classe e especialistas no tema.

“A atualização do CDC deve se tornar realidade até o fim de 2013”, diz o promotor de Justiça Leonardo Roscoe Bessa, do Ministério Público do Distrito Federal, um dos membros da comissão de juristas responsável pela atualização do código.

A atualização do Código de Defesa do Consumidor foi um dos temas debatidos no Fórum Jurídico Transformações Legais, realizado pela Amcham-São Paulo nesta quinta-feira (28/02). Advogados e especialistas da área jurídica se reuniram na Amcham para debater as principais mudanças judiciais que devem mudar leis com impactos para o setor privado brasileiro a partir deste ano.

Nova economia

“Quando o CDC surgiu, a internet ainda era absolutamente nova e nem havia comércio eletrônico. Hoje, o código apenas regulamenta a venda online indiretamente, então é preciso uma atualização para dar mais segurança ao consumidor que se utiliza dessas compras”, explica o promotor.

O advogado Fredie Didier Jr., livre-docente em Direito Processual da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do escritório Didier, Sodré e Rosa Advocacia e Consultoria, diz que o CDC foi um código feito para um mundo que não existe mais. “Não havia uma economia de massa, não havia processo eletrônico. Passamos por uma mudança social, tecnológica e jurídica absurda nesse período.”

Nem por isso perdem a importância os tópicos já contemplados no CDC, que vão desde exigências de condições claras de pagamento e cobrança de juros até possibilidade de devolução de produtos, criminalização da publicidade enganosa e exigência de clara garantia aos produtos e serviços comercializados no País.

Dívida demais

O passo mais importante da lei de 1990 foi o entendimento de que o consumidor é o elo mais frágil da corrente. É deste ponto que também parte, por exemplo, a atualização do CDC que visa a acabar com o superendividamento do consumidor. “Houve a partir do período pós-Plano Real uma ampliação do crédito no Brasil, o que é bastante positivo. Hoje as populações mais pobres têm acesso ao crédito e conseguem comprar produtos de importância grande como uma geladeira e uma televisão”, reconhece Bessa.

“Mas existe outro problema paralelo a essa oferta maior de crédito, que é o crédito em excesso e irresponsável. O crédito precisa acontecer de forma responsável, não só por quem toma o crédito, mas também por quem concede”, diz. “Bancos e financeiras precisam olhar se a pessoa tem condição de pagar aquela dívida e se ela não está se superendividando com aquele crédito.”

Para os advogados, esse tema de superendividamento do consumidor ainda mantém um vácuo no Brasil, sobretudo no que diz respeito à resolução da dívida. Nos Estados Unidos, a prática é a de perdoar a dívida. “A medida visa a incentivar o cliente a voltar a gastar.”

Na Europa, o modelo de tutela do devedor é o de prolongar o prazo do débito. “O credor abre mão de algo, a dívida se estende e mantém-se a possibilidade de o devedor preservar o essencial para sobreviver”, explica Bessa.

Ele avalia que o modelo brasileiro tenderá a algo parecido com o europeu, com negociação entre credor e devedor, além de possibilidade de apoio de educação para o crédito. “Hoje, andando na rua se esbarra no crédito. E a pessoa que tem uma dívida impossível de pagar sofre um tipo de falência, que afeta não só a ela como a seus familiares, porque ficam de lado despesas da casa.”

Ações coletivas

Bessa diz que as ações coletivas também devem ganhar maior importância no novo código, visando a dar uniformidade às decisões. “As ações que dividem uma mesma causa que afeta milhares de pessoas serão prestigiadas”, analisa. “Porque ou se acaba com ela [o modelo de ação coletiva] ou passa-se a prolongar o efeito desse tipo de decisão judicial para outras esferas.”

O advogado Luíz Virgílio Manente, sócio do escritório TozziniFreire Advogados, diz que as ações coletivas trazem a incerteza com relação à jurisdição. “O Brasil é um continente, e nesse território tamanho há diversas realidades socioeconômicas. Será que podemos permitir que um juiz de Roraima tenha efeito sobre todo o território nacional?”

A questão apontada é a de como equilibrar as decisões para evitar distorções de casos locais e casos nacionais. Bessa considera que a o ideal é que o juiz saiba analisar a representatividade adequada. “É perigoso cair na bagunça de ter que ajuizar dezenas de ações similares. Isso gera insegurança jurídica.”

O debate ainda ocorre no Congresso. No Senado, três projetos de lei regulam as atualizações do código (os PLs 281, 282 e 283). “O que é preciso ressaltar é que as empresas acompanharam todo esse processo e antes mesmo de criar o projeto a comissão ouviu as partes interessadas.”

“O que percebemos que é polêmico ou que encontraria forte resistência das empresas afetadas foi retirado. Muitas arestas já foram limadas por esse debate prévio”, explica. “O saldo do debate demonstra que o Brasil está buscando dessas mudanças e, mesmo com toda a dificuldade do Parlamento, os projetos estão aí para melhorar a vida do brasileiro, do consumidor e do advogado.”

Fonte: Câmara Americana de Comércio

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