Os resultados e os desdobramentos da Ação Penal 470
foram os principais temas das perguntas formuladas por jornalistas na
entrevista coletiva concedida hoje (20) à tarde pelo presidente do Supremo
Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa. Além de esclarecer diversos
aspectos sobre o julgamento, encerrado na última segunda-feira (17), o ministro
tratou ainda de suas prioridades à frente do STF e do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), de suas posições em relação à magistratura, da questão dos royalties, da
visibilidade que o Supremo vem conquistando perante a sociedade e até mesmo de
pesquisas favoráveis a sua candidatura em cargos eletivos. Confira, a seguir,
os principais pontos abordados.
AP 470
Quanto ao pedido de prisão dos condenados formulado
ontem (19) pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o ministro
Joaquim Barbosa disse que não iria se manifestar. “Vocês terão conhecimento
amanhã da minha decisão, que deve ser breve”, afirmou. Com relação a
precedentes do STF no sentido de que a prisão só deve se dar após o trânsito em
julgado, ressaltou que a situação da AP 470 é diferente. “Decidimos sobre casos
que tramitaram em instâncias inferiores da Justiça, e chegaram aqui em habeas
corpus. É a primeira vez em que o STF tem de se debruçar sobre o pedido de
execução de uma pena decretada por ele próprio”, afirmou. “Na verdade, não
temos um precedente que se encaixe precisamente, é uma situação nova”.
Sobre eventuais críticas ao fato de o
procurador-geral ter apresentado o pedido às vésperas do recesso, em vez de
submetê-lo ao Plenário, o presidente do STF lembrou que a prisão já fora pedida
antes, no início da instrução da AP 470, e indeferida por ele. “Se eu decretasse
a prisão naquele instante, o processo não se moveria um palmo”, observou.
Embora ressaltando que o momento é outro, afirmou não ter nada a dizer sobre as
escolhas do procurador-geral.
Perguntado sobre a execução da decisão, o ministro
afirmou que não vislumbra nada que possa atrapalhar o regular andamento da AP
470 daqui em diante. “Com o recolhimento dos passaportes, creio que este risco
diminuiu sensivelmente”, observou. Lembrou, ainda, que a execução e as decisões
a ela relacionadas são de responsabilidade do próprio relator.
O ministro fez questão de desfazer um mal entendido
em relação à decisão relativa aos mandatos parlamentares. “O voto que
capitaneou a decisão do Plenário diz muito claramente que ficam suspensos os
direitos políticos dos parlamentares condenados neste processo”, esclareceu.
“Vejam bem: eu não estou falando em cassação. Eles perdem os mandatos
em decorrência da suspensão dos direitos políticos, porque ninguém pode exercer
qualquer tipo de mandato representativo, seja parlamentar, numa assembleia
legislativa, numa câmara, sem os direitos políticos em plenitude. Não pode
sequer ser funcionário público”, destacou. “E mais: a decisão diz ‘após o
trânsito em julgado dessa decisão’. As balizas estão muito bem fixadas: eles
são deputados enquanto o processo estiver em curso; transitada em julgado a
decisão, eles não serão cassados, e sim deixarão de ser deputados por força da
sentença condenatória”.
A decisão, para o presidente do STF, não tem nada
de novo, e é comum em sentenças criminais de primeiro grau a suspensão dos
direitos políticos. Trata-se de situação diversa do processo de cassação
parlamentar. “O Parlamento, quando cassa um parlamentar, por quebra de decoro,
tem total liberdade para fazer a avaliação sobre o tipo de deslize funcional
cometido, e pode cassar até mesmo o mandato de alguém que tenha cometido um
crime de trânsito, culposo. O juízo nesse caso é político”, observou. “Aqui
não: trata-se de uma decisão técnica, baseada na lei e na Constituição”.
Depoimentos de Marcos Valério
Para o presidente do STF, o Ministério Público, em
matéria penal, “não goza da prerrogativa de escolher quais os casos que vai
levar adiante” ou de “fazer um sopesamento político das suas ações”. Ele é
regido pelo princípio da obrigatoriedade, e “tem o dever de fazê-lo”. O
ministro ressaltou, porém, que o surgimento de novos depoimentos do empresário
Marcos Valério não terá desdobramentos na Ação Penal 470, “que está encerrada e
na qual só cabem eventuais tentativas de recursos”. Caso entenda que as novas
manifestações tenham consistência, caberá ao MP determinar a abertura de um
inquérito. “Nos processos já em curso, o juiz da causa pode querer ouvir Marcos
Valério, e esse depoimento vai se transformar numa peça probatória naquele caso,
mas não na AP 470”.
Ação Penal 536
O ministro afirmou que não tem como antecipar o
prazo de julgamento da Ação Penal 536. “Com relação ao ‘mensalão mineiro’, não
dá para fazer uma estimativa, porque o STF, como qualquer Tribunal do país, é
composto de juízes independentes”, observou. “Cada um tem seu método de
trabalho, sua visão do fenômeno jurídico e do processo penal. Por causa disso,
varia enormemente o tempo de cada processo. Além do mais, cada caso tem suas
peculiaridades. Na medida em que deixei a relatoria, não tenho como fazer essa
afirmação de que será prioridade. Caberá ao relator do caso impor a celeridade
necessária. Lamentavelmente, este relator ainda não é conhecido”, concluiu. A
AP 536 deve ser redistribuída ao ministro que ocupar a vaga do ministro Ayres
Britto.
Royalties
Sobre a polêmica em torno do acionamento do
Judiciário na questão do veto presidencial à nova lei dos royalties, Joaquim
Barbosa disse que o tema “perdeu um pouco do seu clamor” depois que o Congresso
Nacional adiou a votação para fevereiro. Quanto a uma possível decisão sobre a
matéria no final de dezembro ou durante o mês de janeiro, informou que o
Supremo está em recesso e só volta a funcionar, em sua plenitude, no dia 1º de
fevereiro. “O presidente não vai examinar uma liminar dada por um colega. Fazer
isso não é do meu estilo”, afirmou.
Sobre as críticas de que estaria havendo ingerência
do STF no Poder Legislativo no caso dos royalties, o ministro Joaquim Barbosa
disse que as declarações feitas por deputados em relação ao assunto demonstram
falta de compreensão do sistema jurídico-constitucional brasileiro, “falta de
conhecimento do próprio país, da da Constituição e do funcionamento regular das
instituições”. Segundo ele, tudo o que ocorreu esta semana “são fenômenos
normais” de um sistema de governo com divisão estrita de poderes. “É assim que
funciona o sistema brasileiro”, concluiu.
Prioridades para 2013
O ministro Joaquim Barbosa afirmou que, em 2013, os
processos com repercussão geral serão “prioridade número um” na pauta de
julgamentos do STF. “Tenho uma equipe trabalhando com exclusividade nessa
matéria”, contou, acrescentando que há uma interlocução entre o Supremo e os
tribunais federais e estaduais “para tentarmos solucionar esse problema que é
grave, que é sério”. Segundo o presidente da Corte, o exame dos casos de
repercussão geral ficou praticamente paralisado em 2012. “Foi um ano atípico:
no primeiro semestre julgamos casos bem complexos, que tomaram a atenção dos
ministros por quase todo o período, e o segundo semestre foi dedicado
praticamente para uma só ação [AP 470]”, avaliou.
O ministro disse que espera que o Plenário do STF
analise, nos primeiros meses do próximo ano, processos prontos para julgamento,
a fim de fazer uma limpeza na pauta. “Estou na expectativa de que tenhamos algo
mais regular nesses primeiros meses de 2013”, disse.
O Supremo e a sociedade
O ministro Joaquim Barbosa disse, na entrevista,
que a visibilidade que a Suprema Corte vem ganhando, sobretudo desde o
julgamento da AP 470, já foi prevista por ele logo após a promulgação da
Constituição, “que contém aberturas, verdadeiras avenidas de possibilidades
para a atuação do Judiciário e do Supremo, em especial”. Ele lembrou que o
sistema presidencialista vigente no Brasil, instituído pela primeira vez nos
Estados Unidos há pouco mais de 200 anos, possui uma divisão “muito clara” de
Poderes e pressupõe “a existência de um Poder Judiciário forte, com poderes de
controle e de estabilização de equilíbrio” - ao contrário do sistema
parlamentarista, onde o parlamento concentra a totalidade dos poderes. “A condenação
de um parlamentar corrupto, que se vale do seu cargo para enriquecer
indevidamente, é elemento natural decorrente desse sistema de mútuos
controles”.
Imprensa
Com relação à possibilidade de controle dos meios
de comunicação, o ministro afirmou que “qualquer tentativa de domesticar a
imprensa” poderá ser coibida pelo Supremo, e lembrou que as instituições
normalmente atacadas por uma “incontrolável tentação tirânica da grande
maioria” são aquelas que não gozam daquilo que considera “a essência do poder -
ora o dinheiro, ora as armas”. “Não vou descer a detalhes sobre medidas [de
controle da imprensa] que estejam eventualmente em cogitação, mas o que posso
dizer é que, se isso ocorrer em um país com instituições já consolidadas como o
Brasil, existe uma instituição que vai controlar essa tentação tirânica, que é
o Judiciário”, afirmou o ministro Joaquim Barbosa.
Magistratura
Quanto a temas ligados ao funcionamento da
magistratura, o ministro Joaquim Barbosa criticou as promoções por merecimento
e a consequente busca por apoio político por juízes de primeiro grau
interessados em chegar aos tribunais. Outro tema abordado foi a necessidade de
restrições à atuação de advogados com relações de parentesco com magistrados.
“Critiquei em meu discurso de posse a politicagem
que os juízes de primeiro grau são forçados a exercer para conseguir promoção
ao cargo de desembargador. Um juiz deve ser livre, independente na mais ampla
concepção do termo, e não é bom que saia de pires na mão pedindo favores”, afirmou
Joaquim Barbosa. Ele defendeu que, no lugar da promoção por merecimento,
critério altamente subjetivo, haja apenas a promoção por antiguidade, a fim de
se estabelecer um parâmetro objetivo.
Questionado sobre como pretende abordar a questão
de parentesco entre advogados e juízes de tribunais onde atuam, o ministro
afirmou que deve tratar do tema no âmbito do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), mas que sua posição já é bastante conhecida. “Sou visceralmente contra,
porque acho que isso fere o princípio da moralidade e do equilíbrio de forças
que deve haver no processo judicial”, afirmou, ao destacar que filhos, esposas
e sobrinhos de juízes são muito acionados por seus clientes “pelo fato de serem
parentes, e não pela qualidade técnica de seu trabalho”. De acordo com o
presidente, essa prática viola o princípio da moralidade que deve reger todas
as ações do Estado, embora reconheça que sua visão pode ser contrária ao
pensamento da maioria.
Ao responder sobre sua intenção de tornar o Poder
Judiciário mais célere, o ministro destacou que os meios tecnológicos de hoje
permitem imprimir um ritmo rápido aos processos. Ele citou como exemplo a Ação
Penal 470. “Apesar de ter 40 réus e uma complexidade enorme decorrente do fato
de os réus estarem espalhados por dezenas de cidades do país, foi possível
instruir uma ação dessa dimensão em quatro anos e meio”, afirmou. De acordo com
o ministro, que é um estudioso do Direito comparado, “em nenhum lugar do mundo
já se viu algo parecido”, e a tecnologia foi aliada fundamental nesse processo.
O presidente do STF disse, porém, que outros
problemas contribuem para a morosidade, como o fato de haver cidades com muitos
juízes e outros lugares com pouquíssimos, além de tribunais sem estrutura e
outros luxuosos. “É um país de contrastes, e esses contrastes se estendem ao
Poder Judiciário”.
CNJ
Também presidente do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), o ministro Joaquim Barbosa pretende priorizar, no Conselho, a questão
penitenciária, considerada por ele como “flagelo nacional”. “O CNJ vem fazendo
um belíssimo trabalho sobre os mutirões carcerários, e pretendo dar
continuidade a eles, no sentido de fomentar, nas autoridades federais e
estaduais a necessidade de fornecer condições humanas mínimas no sistema
penitenciário brasileiro”, afirmou.
Outro ponto destacado foram as questões decorrentes
“do patrimonialismo brasileiro”, que serão, segundo ele, “atacadas com o máximo
rigor no CNJ, naquilo que for da sua competência, sem extrapolação ou usurpação
de competências dos membros do Poder Judiciário”, salientou, fazendo referência
a temas como corrupção e improbidade administrativa.
Pesquisa eleitoral
Informado de que uma pesquisa eleitoral feita no
último fim de semana indicou que ele teria entre 9% e 10% das intenções de voto
em uma eventual candidatura à Presidência da República, e questionado se já
cogitou, em algum momento, ingressar na política, o presidente do STF, ministro
Joaquim Barbosa, disse que nunca pensou nisso. “Nunca, jamais”, reagiu ele à
pergunta. Mas admitiu que a pesquisa o deixou, “evidentemente”, lisonjeado,
principalmente porque nunca fez política nem militou em partidos ou
associações. “Qual brasileiro não ficaria satisfeito, em condições idênticas
à minha, de espontaneamente se ver contemplado com números tão
alvissareiros?”, afirmou. “Evidente que isso me deixou bastante lisonjeado e
agradecido àqueles que ousaram citar o meu nome para essa eventualidade, mas
isso não muda em nada aquilo que eu sempre fui - um ser absolutamente alheio a
partidos políticos.”
Fonte: Supremo Tribunal Federal
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