A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou a Editora
Abril ao pagamento de R$ 500 mil por danos morais ao senador e
ex-presidente Fernando Collor. O motivo foi um artigo que ofendia o
ex-presidente, veiculado numa das revistas de maior circulação do país, a
Veja. Além da editora, foram condenados Roberto Civita, presidente do
conselho de administração e diretor editorial, e André Petry, autor do
artigo em que o ex-presidente foi tachado de “corrupto desvairado”.
O
artigo de opinião intitulado “O Estado Policial”, publicado na edição
impressa de março de 2006, bem como na internet, comparava atitudes dos
governos Collor e Lula – no primeiro, diante das denúncias feitas pelo
motorista Eriberto França; no segundo, em relação às denúncias do
caseiro Francenildo Costa. Durante as comparações, o articulista falou
sobre as “traficâncias” de Collor e o chamou de “corrupto desvairado”.
Collor
ajuizou ação de indenização por danos morais alegando que havia sido
atingido por “uma série de calúnias, injúrias e difamações”. A sentença
julgou o pedido improcedente, entendendo que o objetivo do jornalista
não era atingir a honra do ex-presidente, e sim criticar o modo como as
denúncias do caseiro foram abafadas, o que não aconteceu com o
motorista.
Além
disso, o juiz destacou que Collor foi absolvido pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) apenas por questões processuais e sem apreciação dos
fatos, e que “o episódio histórico que envolveu o fim do seu mandato
[como presidente] ainda está marcado na mente das pessoas”. O
entendimento do juízo de primeiro grau foi de que, confrontados os
valores constitucionais do direito à imagem e da liberdade de imprensa,
deve prevalecer a liberdade de imprensa.
Porém,
na apelação, a sentença foi reformada. O Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro (TJRJ) entendeu que a simples publicação da expressão “corrupto
desvairado” configura dano moral, mesmo porque o ex-presidente foi
absolvido das acusações. Quanto ao confronto dos dois valores
constitucionais, o tribunal estadual decidiu que deveria prevalecer o
direito à honra, pois estaria claro “o propósito ofensivo da matéria”.
Seguindo essa opinião, o TJRJ fixou a indenização em R$ 60 mil.
Os recursos
Tanto
o ex-presidente quando a editora recorreram ao STJ. Para Collor, a
indenização foi fixada com “excessiva parcimônia”. Para ele, o tribunal
estadual não levou em consideração a qualificação das partes envolvidas,
a repercussão do dano causado e o lucro da editora com a publicação do
artigo.
A
Editora Abril, por sua vez, queixou-se de que o TJRJ não havia se
manifestado sobre a liberdade de expressão, nem sobre a licitude da
divulgação de informação inspirada pelo interesse público (Lei de
Imprensa). Para a editora, o artigo não traz mentiras ou fatos passíveis
de indenização. A Abril ainda argumentou que Collor deveria “ter
vergonha de ter sido protagonista das maiores acusações feitas contra um
presidente da República, e não da divulgação desse mesmo fato pela
imprensa, que apenas exerceu o seu dever constitucional de informação”.
Lei de Imprensa
O
ministro Sidnei Beneti, relator de ambos os recursos, destacou que,
como a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal
(julgamento do STF), o recurso da editora ficou privado desse
fundamento. A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que, por
conta da posição do STF, não se pode alegar violação aos dispositivos da
Lei de Imprensa em recurso especial.
No
memorial fornecido pela editora ao relator, entretanto, a Lei de
Imprensa não foi mais citada. A Abril sustentou que houve violação aos
artigos 186 e 188, inciso I, do Código Civil. Segundo o ministro, foi
apenas no memorial que a editora sustentou expressamente a violação dos
referidos artigos, e tal referência não pode suprir a omissão de
invocação no recurso especial, pois o memorial não é levado ao
conhecimento da parte contrária, e, portanto, o contraditório
constitucional estaria infringido se o memorial fosse considerado para
suprir o que não foi alegado no recurso.
Porém,
novamente sobre o não acolhimento constitucional da Lei de Imprensa, a
jurisprudência do STJ entende que, nos julgamentos provindos dos tempos
dessa lei, devem ser examinados os argumentos de fundo, ensejados pelo
recurso.
O
ministro Sidnei Beneti destacou que a análise do recurso especial não
seria reexame de prova, mas apenas exame valorativo com base em fato
certo – no caso, o artigo escrito e publicado – para verificar se este
possuiria, ou não, caráter ofensivo.
Ofensa à honra
No
entendimento da Terceira Turma do STJ, o termo usado pela revista –
“corrupto desvairado” – é, sim, ofensivo. O ministro relator lembrou que
o termo ofensivo ainda foi destacado pela revista, pois aparece no
“olho” – recurso de diagramação que realça uma parte do texto
considerada marcante – da edição impressa e digital. É justamente essa
parte de destaque que chama mais a atenção do leitor, mesmo aquele que
não lê o artigo em seu conteúdo integral, ou apenas folheia a revista.
Segundo
Beneti, o termo usado não é pura crítica; é também injurioso. Por esse
motivo é impossível concordar com qualquer motivo alegado pela editora,
como o interesse público à informação. A injúria, de acordo com o
ministro, é a conduta mais objetiva e inescusável das três modalidades
de ofensa à honra – injúria, calúnia e difamação – e, por esse motivo,
não admite exceção de verdade. Na injúria, não há atribuição de fato,
mas de qualidade negativa do sujeito passivo.
Portanto,
ainda que o ex-presidente Collor tenha sido absolvido apenas por
questões processuais, e não por afastamento da acusação de corrupção, e
que tenha sofrido impeachment, a ofensa não deixa de existir – e é
injúria.
Quanto
ao valor da reparação, a Turma entendeu que o desestímulo à injúria
deveria ser enfatizado, pois a expressão “corrupto desvairado” poderia
ter sido evitada. Além disso, o desestímulo ao escrito injurioso em
veículo de comunicação com uma das maiores circulações do país autoriza a
fixação de indenização mais elevada.
O
ministro Beneti e o ministro Paulo de Tarso Sanseverino se posicionaram
no sentido de aumentar o valor para R$ 150 mil. No entanto, os
ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Villas Bôas Cueva votaram para
fixar a indenização em R$ 500 mil.
Processo relacionado: REsp 1068824 e REsp 1120971
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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