Publicado em: 23/03/2013 por Danillo Alfredo Neves em Direito Autoral
Breve exposição conceitual e histórica acerca dos Direitos Autorais. É abordado o conceito da modalidade e a história deste ramo do Direito nos primórdios e no Brasil.
1. Conceito
O termo Direitos Autorais apresenta amplo conteúdo, de diversificado alcance. Há várias definições sobre o que seja tal modalidade.
Segundo Manso (1992, p. 7): “Direito autoral é o conjunto de prerrogativas de ordem patrimonial e de ordem não patrimonial atribuídas ao autor de obra intelectual que, de alguma maneira, satisfaça algum interesse cultural de natureza artística, científica, didática, religiosa, ou de mero entretenimento”.
Já Bittar (1994, p. 8), define como “o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências”.
Denota-se através de mencionadas conceituações que o termo Direitos Autorais apresenta vasta aplicabilidade, seja sob o enfoque cultural, social ou econômico, no que for pertinente.
Há dois aspectos principais que devem ser levados em consideração quando da classificação dos direitos de autor: um que diz respeito à pessoa do autor, referindo-se à sua dignidade moral, uso e aproveitamento de sua criação, e outro referente à condição que a pessoa autora ostenta sobre sua obra, verificando-se os efeitos no plano fático que esta produz. Conforme conceitua Crivelli (2007, p. 98):
“O conceito etimológico de autor é auctore, aquele que é causa principal, aquele de que alguém ou alguma coisa nasce ou procede. Para o universo da produção cultural, mais especificamente perante a legislação brasileira, de direitos autorais, autor é o ser humano que, por intermédio de seu espírito e intelecto, ao uso de sua criatividade, concebe, idealiza e concretiza em qualquer suporte material toda forma de criação intelectual no campo artístico, literário ou científico”.
Ainda de acordo com a mesma autora (op. cit.): “Autoria é a qualidade ou condição de autor. É a conceituação decorrente do ato de criação de um bem intelectual por uma pessoa física”.
Em síntese, pode-se abstrair que Direitos Autorais são a série de prerrogativas patrimoniais e morais decorrentes de criações do espírito, que por sua vez são as abstrações provenientes de labor intelectual humano, expressadas em meio físico, material ou imaterial.
2 Histórico
2.1 Início e dias atuais
É possível afirmar que os direitos autorais, embora formalmente não reconhecidos a princípio quando dos primeiros compêndios jurídicos, sempre estiveram presentes, de certa forma, na órbita jurídica, como direitos fundamentais que verdadeiramente são.
A noção de proteção sobre coisas criadas pelo homem que não se visualizam no plano material existe desde os primeiros anos da humanidade, principalmente quando esta começou a se organizar em sociedade, mas só passou a ser consolidada de forma dogmática, escrita, com o passar dos tempos e a decorrente evolução social da humanidade, através da organização do sistema jurídico.
Quanto às primeiras convenções estabelecidas em regras jurídicas sobre direitos autorais, pode-se verificar o surgimento de sistemas distintos que tratam do tema. Preleciona Coelho (2010, p. 276):
“Na origem, o direito autoral revestiu de diferentes concepções fundamentais na Inglaterra e no continente (Europa). A diferença de fundamento gerou dois sistemas (copyright e droit d'auteur), que, embora distintos, têm descrito trajetórias convergentes”.
Segundo o autor (2010, p. 277), o primeiro sistema de direitos autorais, conhecido como copyright, foi criado na Inglaterra, a partir de 1492, com a organização de entidade destinada a associar editores de livros e pessoas que viviam de obras literárias no país, denominada de guilda, conhecida no país comoStationer’s Company.
No ano de 1557, o reino inglês concedeu exclusivamente à entidade o direito de exploração e exclusividade sobre obras, sendo este o marco inicial do sistema. Aqueles que não eram filiados àStationer’s Company não tinham o direito de comercializar livros no país.
De outro lado, na França, no ano de 1791, época que a revolução histórica no país era muito recente, houve edição de lei que mudou a situação das encenações teatrais da época. Estas encontravam-se sob um semimonopólio, o que foi abolido pela nova legislação, através do reconhecimento ao direito de representação pública. Foi o marco inicial do sistema denominado droit d’auteur.
O início do copyright foi marcado por censura, através do controle real das obras que eram publicadas, através da chancela das companhias monopolizadoras. Em 1709, foi criado o Statute of Anne, estatuto considerado como a primeira lei de direitos autorais do mundo. O estatuto visava, em verdade, combater o monopólio existente das obras intelectuais, pois era um aspecto inadequado para a época, uma vez que criava óbices à expansão do respectivo mercado.
Efetivamente, com o passar do tempo, o estatuto passou a ser um elemento de regulação dos negócios envolvendo direitos autorais. Com a criação do Literary Copyright Act, em 1842, o autor de obra literária passou a ter direito sobre suas obras, bem como seus sucessores. Após, em 1911, foi criado oCopyright Act, que ampliou os efeitos para outros autores de obras intelectuais, dentre os quais os músicos.
Sobre o copyright, resume Coelho (2010, p. 279):
“O copyright surge como monopólio real concedido aos editores e livreiros ingleses. Seu objetivo era conciliar os interesses da monarquia relacionados à censura e os dos editores e livreiros voltados à reserva de mercado. A noção de que o autor titulariza um direito natural sobre sua criação intelectual surge 200 anos depois, curiosamente em argumentos destinados a prolongar o modelo monopolista dos primórdios do copyright”.
Quanto ao droit d’auteur, conforme mencionado, seu início se deu na época da Revolução Francesa, e a sua instituição promoveu um avanço significativo à cultura do país.
Antigamente, na Idade Média, os artistas eram sujeitos ao mecenato. Tal prática consistia no convencimento feito por algum membro da nobreza a um artista para que este morasse com ele e prestasse seus serviços de natureza artística em troca de sustento. Restava clara a condição de subordinação.
A partir do Renascimento, os artistas passaram a ter alternativas ao mecenato, como desenvolver seus próprios locais para prática de seus dons artísticos, todavia cedendo as obras à burguesia, que as encomendava. Ainda que subsistindo esta situação, ao menos os artistas recebiam remuneração por seus trabalhos realizados, como uma autêntica venda, sem criar vínculo de subordinação com aquele que comprava sua obra.
Com o reconhecimento do direito do autor em exercer a propriedade sobre suas obras, o artista da época passou a ter autonomia para auferir benefícios que destas poderiam ser provenientes. Foi a partir da criação do droit d’auteur que se estabeleceram os direitos morais do autor, aspecto muito importante para a disciplina jurídica.
Conforme preleciona Coelho (2010, p. 282):
“O sistema droit d’auteur proclama, desde o início, que o autor é o proprietário de sua obra intelectual. No século XIX, esse sistema assenta a concepção de que, além dos direitos patrimoniais de exploração econômica da obra, o autor também é titular de direitos morais, como o de ver seu nome associado a ela mesmo que após a morte”.
Por conta de suas origens, tornam-se claras as diferenças existentes entre os sistemas de direitos autorais. O copyright foi criado com o intuito de fortalecer a instituição que publicava e distribuía as obras intelectuais, sendo esta entidade vinculada ao poder real. O droit d’auteur, por sua vez, foi criado para proteger a pessoa do autor da obra, com o objetivo de assegurar-lhe direitos pessoais decorrentes de sua criação.
O contexto da criação dos sistemas é resultado dos movimentos históricos e sociais das respectivas épocas e países. Enquanto na Inglaterra dos séculos XV e XVI havia uma preocupação em manter o estado em favor da realeza, na França do final do século XVIII predominavam os ideais humanitários que culminaram na Revolução de 1789. Em suma, o copyright foi criado como uma demonstração do poder real, enquanto o droit d’auteur foi criado baseado nos ideais humanitários.
Hodiernamente, quando se trata de direitos autorais no mundo em geral, o que se verifica é uma aproximação dos sistemas copyright e droit d’auteur. Não se denota mais aplicação de um sistema em detrimento do outro, o que há é a busca no caso concreto daquilo que for mais adequado.
Há uma compensação entre o que é mais protegido em um ou outro sistema. Enquanto no copyright há valorização maior do trabalho envolvido no empreendimento de uma ideia, e no droit d’auteur há proteção maior da pessoa autora, o que se busca hoje em dia é o equilíbrio entre os sistemas, visando à proteção tanto da obra e de seu desenvolvimento quanto do autor e seus direitos.
Tal característica fica evidenciada com a edição do Copyright Act norte americano, em 1790. No referido diploma jurídico, o autor passa a ter direitos sobre suas obras por tempo determinado. Há clara intersecção entre os sistemas de direitos de autor, pois há a busca pela proteção da obra do copyright e a valorização dos direitos morais do autor característica do droit d’auteur.
Na Europa, por sua vez, não há uma consolidação plena sobre os direitos autorais, de modo que a disciplina referente à matéria varia de acordo com a respectiva localidade. Este é um aspecto que se observa notadamente pela diferença entre as origens do tratamento legal em cada país.
O que se verifica nos dias atuais é que a amplitude da proteção dada às obras intelectuais abrange não só a pessoa do autor, mas também os terceiros que estão relacionados aos efeitos da obra. É o caso, por exemplo, de intérpretes, atores, produtores fonográficos, empresas radiodifusoras, entre outros.
Dentre os sistemas de Direitos Autorais, foi adotado no Brasil, devido à tradição romana e a cultura latina, o sistema francês do droit d’auteur, priorizando a pessoa do autor.
2.2 Direitos autorais no Brasil
A lei vigente que trata da matéria no país é a nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Segundo a definição contida no referido diploma legal, entende-se como direitos autorais os direitos de autor e os que lhes são conexos.
É possível verificar que, no Direito brasileiro, a disciplina referente aos direitos de autor começou a ser tratada desde o início dos cursos jurídicos no país, com a criação dos cursos de Direito em São Paulo e Olinda pela Lei do Império de 11 de agosto de 1827.
O Art. 7º da referida lei, tratando das obras que poderiam ser utilizadas no decorrer dos cursos, estabelecia que seus autores tinham o privilégio exclusivo sobre estas pelo período de dez anos. Trata-se da primeira evidência da introdução do direito autoral no ordenamento jurídico pátrio.
Posteriormente, a matéria passou a ser vista de forma mais específica, inicialmente sob ótica do Direito Penal. No Código Criminal do Império de 1831, no Art. 261, foi conferida a autores e tradutores brasileiros de manuscritos e estampas o direito de proteção às obras, com a proibição de suas reproduções, de modo geral.
Depois, o Código Penal de 1890 manteve as restrições estabelecidas na lei anterior, todavia passou a enfatizar situações que mitigavam os direitos, como a não coibição do uso de trechos de traduções com intuito crítico ou pedagógico, no Art. 347 do diploma legal.
A partir da Constituição de 1891, mais especificamente em seu Art. 72, § 26º, é que se passou a ter previsões constitucionais referentes aos direitos autorais, o que verificou-se em todas as constituições seguintes, com exceção da Carta de 1937. Todavia, somente na Constituição de 1988 é que se consignou uma abrangência maior dos direitos autorais, com maior amplitude de sua aplicabilidade.
A legislação passou a tratar do tema de forma mais especializada em 1898, através da lei 496 de 1º de agosto do mesmo ano, chamada de Lei Medeiros de Albuquerque. Referida lei foi criada após a Convenção de Berna, de 1896, aderida pelo Brasil em 1922. Esta foi a primeira lei exclusiva de direitos autorais no país, e também a primeira a tratar o tema sob a égide do Direito Civil.
Posteriormente, o Código Civil de 1916, entre os artigos 649 a 673, passou a tratar do tema, revogando as disposições anteriores da Lei Medeiros de Albuquerque.
Entretanto, algumas questões mostravam-se controversas no Código Civil, como, por exemplo, a natureza do depósito da obra do autor (mero ato comprobatório ou ato constitutivo do direito exclusivo de reprodução). A criação da Lei 5.988, de 14 de dezembro de 1973, solucionou grande parte das questões pendentes.
Referida lei era vigente até 1998, quando foi criada a atual lei de Direitos Autorais. Juntamente com esta lei, entrou em vigência a Lei 9.609, de mesma data, tratando de programas de computador. Poucas disposições da lei anterior foram alteradas, dentre as quais pode se destacar uma maior limitação aos direitos de autor.
A realidade das aplicações sempre deve ser levada em consideração quando se trata de direitos autorais. O fato de simplesmente utilizar o conteúdo da obra não implica em aplicação imediata daquilo que vem prescrito em lei, como regra cogente.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. São Paulo: Forense, 1994.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: direito das coisas, direito autoral. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. V4.
CRIVELLI, Ivana Có Galdino. Direitos autorais na obra cinematográfica: o delineamento da autoria e titularidade da exploração no universo contratual. São Paulo: Letras Jurídicas, 2007.
MANSO, Eduardo V. Contratos de direito autoral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989.
MIZUKAMI, Pedro Nicoletti. Função Social da Propriedade Intelectual: compartilhamento de arquivos e direitos autorais na CF/88. Brasília: Hiperfície microblogging, 2010. Online.
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