Publicado em 25 de Abril de 2011 às 09h46
Pé de pato, mangalô três vezes... No Brasil, é difícil encontrar quem não “faz uma fezinha” para ganhar na loteria. Para isso, vale apostar sozinho ou entrar em bolões. Mas... E se o bilhete premiado é extraviado? E se a casa lotérica falha no repasse do cartão ganhador à Caixa Econômica Federal? Nessas horas, o cidadão não beija figa, nem carrega trevo de quatro folhas ou roga a São Longuinho. A Justiça tem sido o caminho dos brasileiros que buscam solucionar impasses que podem significar milhões em prêmios.
Recente pesquisa, realizada em março de 2011, feita pelo Sistema Justiça do STJ, revela que tramitaram ou tramitam na Casa 67 processos envolvendo diretamente o tema loteria/prêmios. Um número que pode parecer pequeno para um universo de mais de três milhões de processos autuados até hoje, mas que é significativo se levarmos em conta que o Tribunal da Cidadania é responsável por uniformizar o debate sobre as questões infraconstitucionais. Portanto, os recursos que chegam ao STJ refletem as demandas da sociedade.
Vale o que está impresso
Foi o caso de um apostador da Supersena (REsp 902.158), que tentava receber um prêmio de R$ 10,3 milhões. O cidadão alegava que havia apostado no concurso n. 83, mas o jogo acabou sendo efetivado para o sorteio seguinte (n. 84), por erro no registro da aposta. Devido à falta de provas, a peleja jurídica atravessou as primeira e segunda instâncias.
Entretanto, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso no STJ, considerou que saber o momento exato da aposta não era relevante, pois: “o que deve nortear o pagamento de prêmios de loterias federais, em se tratando de apostas nominativas, é a literalidade do bilhete, o que está escrito nele, uma vez que esse tipo de comprovante ostenta características de título ao portador”, conforme dos artigos 6º e 12º do Decreto-Lei n. 204/67. Desse modo, o apostador não levou a bolada milionária, mas poderá recorrer com uma ação de responsabilidade civil. A decisão é abril de 2010.
Noutro caso, um apostador recorreu ao STJ pedindo o reconhecimento de sua participação em “bolão” premiado da Mega-Sena (REsp 1.187.972), organizado por uma casa lotérica, e a condenação do estabelecimento a pagar a sua cota do prêmio. Para tanto, alegou que a lotérica estaria agindo de má-fé. Todavia, o STJ entendeu que a empresa demonstrou ter tomado todas as providências para informar os apostadores sobre os números que compunham seus jogos automáticos. Por isso, não haveria má prestação do serviço.
A Terceira Turma reiterou a orientação de que o pagamento de aposta da loteria é regido pela literalidade do bilhete não nominativo, não importando o propósito do apostador, a data da aposta e as circunstâncias da mesma, já que o direito gerado pelo bilhete premiado é autônomo e a obrigação se incorpora no próprio documento.
Já um cidadão de Minas Gerais teve mais sorte: o STJ manteve a decisão de segunda instância (não conheceu do recurso especial), garantindo o direito do apostador de receber o valor do prêmio da quina da Loto em concurso realizado em 1994 (REsp 824.039). O apostador registrava os mesmos números regularmente. Desse modo, conseguiu comprovar, por meio da apresentação de dez bilhetes anteriores, que a aposta premiada na casa lotérica Nova Vista era sua, mesmo tendo inutilizado o bilhete da aposta do sorteio 75 da Caixa Econômica Federal.
Apostas on line
Mas não é apenas na loteria que o brasileiro busca fazer fortuna. Em março do ano passado, o STJ julgou, pela primeira vez, um caso envolvendo dívida de apostas em corrida de cavalos (REsp 1.070.316). A Terceira Turma decidiu que o débito pode ser cobrado em juízo, mesmo que tenha sido feito por telefone e mediante a concessão de empréstimo em favor do jogador.
O apostador questionou na Justiça a legalidade da ação de execução no valor de R$ 48 mil. Sustentou, entre outros pontos, que o título que fundamentou a cobrança promovida pelo Jockey Club de São Paulo era inexigível, uma vez que a legislação só permite a realização de apostas de corridas de cavalo em dinheiro e nas dependências do hipódromo, não prevendo a concessão de empréstimos em dinheiro e a realização de apostas por telefone.
Entretanto, a Terceira Turma seguiu a posição defendida no voto-vista do ministro Massami Uyeda: “Não existe qualquer nulidade na execução do título extrajudicial, pois, embora as referidas normas legais prevejam a realização de apostas em dinheiro e nas dependências do hipódromo, em nenhum momento proíbem que as mesmas sejam feitas por telefone e mediante o empréstimo de dinheiro da banca exploradora ao apostador. No Direito Privado, ao contrário do Direito Público, é possível fazer tudo aquilo que a lei não proíbe”, concluiu.
Falhas Humanas
A Quarta Turma do Tribunal da Cidadania também determinou que a Caixa pagasse o prêmio da loteria esportiva a um apostador, por falha da casa lotérica, que não enviou o bilhete premiado à instituição (REsp 803.372). Para o relator do processo, ministro Cesar Asfor Rocha, a Caixa não poderia se eximir da obrigação de indenizar o apostador por ser a instituição responsável pelo credenciamento e fiscalização de seus revendedores.
Segundo as informações processuais, a lotérica em questão já havia sido punida diversas vezes. “Demais disso, se a ré é quem credencia os estabelecimentos, cabe-lhe arrostar com as consequências de sua má escolha, que no caso foi reconhecida. Tampouco há como obrigar o jogador a diligenciar pelo andamento de seu cartão, como se não devesse confiar na idoneidade da loteria ou das instituições que a promovem”, concluiu Asfor Rocha.
Outro processo envolvendo uma falha humana no sistema de apostas foi julgado em 2008 (REsp 960.284). O apostador recorreu à Justiça com uma ação de cobrança contra a Caixa para receber um prêmio da loteria federal que renderia mais de 23 mil reais. O cidadão alegava que formalizou seu bilhete numa casa lotérica autorizada, tendo acertado todos os resultados das partidas de futebol dos campeonatos daquela rodada.
Entretanto, ao tentar receber a premiação, a Caixa constatou que o bilhete emitido pela lotérica trazia os jogos de futebol do concurso anterior. “Houve, portanto, comprovada falha na atividade humana, na manhã de 7/10/2002, com inclusão para apostas, dos jogos ocorridos na semana anterior, correspondente ao concurso precedente ao de n. 36, sorteio no qual o recorrente efetivou suas apostas. São fatos incontroversos, notadamente em se tratando de loteria, na qual prevalece o que consta do título ao portador”, finalizou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.
Deu zebra
Quem não se lembra do matemático Oswald de Souza e suas estatísticas e probabilidades apresentadas na TV? Pois os conhecimentos numéricos do professor não foram suficientes para garantir o direito de indenização contra a Caixa pela suposta quebra de contrato envolvendo a criação da loteria “Certo ou Errado”, desenvolvida para a Loteria Esportiva Federal (REsp 586.458). Segundo a defesa de Oswald de Souza, a instituição teria quebrado a cláusula da proporcionalidade dos valores das apostas na Sena, Loto e da própria “Certo ou Errado”, que comporiam a remuneração devida ao matemático.
No STJ, ele alegou que houve modificação unilateral do contrato. Todavia, o ministro Raphael de Barros Monteiro, relator do processo na Quarta Turma, não acolheu a tese, concluindo que o matemático assumiu o risco de somente receber a remuneração na hipótese de a Caixa dobrar a arrecadação da loteria “Certo ou Errado”. Além disso, a CEF não se comprometeu a manter invariável a proporcionalidade entre os preços dos referidos produtos lotéricos e, portanto, não violou deliberadamente o contrato, como alegava Oswald de Souza.
Azar também para o Grêmio Esportivo Brasil, de Pelotas (RS). O clube do interior gaúcho vai permanecer fora do concurso de prognósticos denominado “Timemania”. Presidente do STJ em 2008, Barros Monteiro indeferiu o pedido em defesa do clube, que queria a inclusão na listagem publicada pelo Ministério do Esporte para compor a loteria (MS 13.295).
Para o ministro, não havia os requisitos necessários pra a concessão da liminar. Com a decisão, o clube continua fora da loteria criada pelo governo federal com o objetivo de gerar receita para as agremiações esportivas por meio da cessão de suas marcas (brasões).
Concessões
E os contratos para exploração de serviços de loteria não podem ser prorrogados indefinidamente. Esse foi o entendimento do ministro Mauro Campbell Marques, integrante da Segunda Turma do STJ (REsp 912.402). A empresa Gerplan Gerenciamento e Planejamento Ltda. pretendia manter o contrato para exploração de loterias em Goiás, mas perdeu o recurso no Tribunal. O relator, ministro Mauro Campbell Marques, considerou que a decisão do Tribunal estadual foi correta ao afirmar que o artigo 175 da Constituição diz: em respeito às concessões, deve haver licitação na modalidade concorrência e ter prazo determinado para tal fim.
Mauro Campbell ressaltou, ainda, que o Decreto-Lei n. 6.259/1944, que regula os serviços de loteria, determina a realização de concorrência pública antes da concessão. “A prorrogação indefinida do contrato é forma de subversão às determinações legais e constitucionais para a concessão e permissão da exploração de serviços públicos, o que não pode ser ratificado por esta Casa”, finalizou o ministro.
Crime e cifrões
O STJ também analisou habeas corpus em favor de Adriana Ferreira de Almeida, conhecida como a viúva da Mega-Sena (HC 102.298). A defesa pedia a libertação da cliente, acusada de planejar e ordenar o assassinato de Renné Sena, dois anos depois que o marido ganhou R$ 52 milhões ao acertar os números da loteria. O crime aconteceu em 2007. Os ministros da Quinta Turma, com base no voto da relatora, Laurita Vaz, concederam o habeas corpus porque ficou configurado o constrangimento ilegal da ré em função da demora no julgamento pelo Tribunal do Júri. Até a data da decisão (2008), Adriana já estava presa há mais de um ano e meio.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
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