segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

TST - Salário atrasado por dois meses motiva rescisão indireta e indenização

Direito do Trabalho
TST - Salário atrasado por dois meses motiva rescisão indireta e indenização
5ª turma do TST entende que o atraso no pagamento de salários por dois meses possibilita a rescisão indireta do contrato de trabalho por culpa do empregador. Decisão foi dada ao julgar o recurso de revista de um empregado da Gipsocar Ltda. Ele parou de comparecer ao serviço e ajuizou ação trabalhista depois de ficar dois meses sem pagamento e saber que o INSS e o FGTS não estavam sendo recolhidos.
O trabalhador recorreu ao TST após o TRT da 6ª região ter considerado que o caso era de demissão voluntária, e não de rescisão indireta ou abandono de emprego. Com essa decisão, o autor da reclamação não teria direito à indenização prevista no art. 483, alínea "d", da CLT (clique aqui), que garante a rescisão indireta quando o empregador não cumprir as obrigações do contrato. Para o Tribunal Regional, a inobservância de regularidade no pagamento dos salários no período indicado pelo trabalhador não podia ser, efetivamente, causa para o fim do contrato.
Para essa decisão, o TRT se baseou no prazo de três meses estipulado no parágrafo 1º do art. 2º do decreto-lei 368/68 (clique aqui):
"§ 1º - Considera-se mora contumaz o atraso ou sonegação de salários devidos aos empregados, por período igual ou superior a 3 (três) meses, sem motivo grave e relevante, excluídas as causas pertinentes ao risco do empreendimento."
No TST, porém, o entendimento foi diverso. Segundo o relator do recurso de revista, ministro João Batista Brito Pereira, o conceito de mora contumaz aplicado pelo TRT destina-se apenas a orientar procedimentos de natureza fiscal, "não interferindo nos regramentos do Direito do Trabalho relativos à rescisão do contrato de trabalho".
Natureza alimentar
Na avaliação do ministro Brito Pereira, não é necessário que o atraso se dê por três meses para que se justifique rescisão indireta do contrato de trabalho. O relator citou diversos precedentes com esse posicionamento, nos quais, além de se destacar que o prazo estabelecido pelo decreto-lei 368/68 repercute apenas na esfera fiscal, o período de três meses é considerado extremamente longo diante da natureza alimentar do salário.
Em um dos precedentes, o ministro Lelio Bentes Corrêa, da 1ª turma, afirmou não ser crível que um empregado "tenha que aguardar pacificamente mais de noventa dias para receber a contraprestação pecuniária pelo trabalho já realizado". Para o ministro Lelio Bentes, o atraso, desde que não seja meramente eventual, caracteriza inadimplemento das obrigações contratuais e justifica o fim do contrato por ato culposo do empregador.
Já o ministro Pedro Paulo Teixeira Manus, da 7ª turma, considera que, se o salário tem natureza alimentar, "não é razoável exigir do empregado que suporte três meses de trabalho sem a competente paga, para, só depois, pleitear em juízo a rescisão do contrato, por justa causa do empregador". Para o ministro Manus, o atraso de apenas um mês já é suficiente para causar transtornos ao trabalhador - privado de sua única ou principal fonte de renda e, consequentemente, impedido de prover o próprio sustento e de seus familiares e de honrar seus compromissos financeiros.
Ao tratar do mesmo tema, em outro precedente em que o trabalhador deixou de receber pagamento também por dois meses, o ministro Horácio Senna Pires, à época na 6ª turma, ressaltou não apenas a natureza alimentar do salário, mas também o princípio da proporcionalidade. Ele lembrou que, de acordo com as leis e a jurisprudência trabalhistas, o descumprimento da obrigação do empregado de comparecer ao serviço por período de apenas trinta dias – metade do prazo em que o empregador, no caso, descumpriu seu dever de pagar os salários – já é suficiente para caracterização da justa causa por abandono de emprego.
  • Processo Relacionado : RR 13000-94.2007.5.06.0401 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra do acórdão.
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ACÓRDÃO
(Ac. 5ª Turma)
BP/mb-BP
RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. MORA SALARIAL. CONFIGURAÇÃO. Não é necessário que o atraso no pagamento dos salários se dê por período igual ou superior a três meses, para que se configure a mora salarial justificadora da rescisão indireta do contrato de trabalho (DL 368/1968, art. 2º, § 1º). O atraso no pagamento de salários por dois meses já autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho por culpa do empregador, fundado no art. 483, alínea -d- da CLT.
Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-13000-94.2007.5.06.0401, em que é Recorrente EVANDRO MODESTO SOBRINHO e Recorrida GIPSOCAR LTDA.
Irresignado, o reclamante interpõe Recurso de Revista, buscando reformar a decisão proferida pelo Tribunal Regional no tocante ao tema -Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho - Mora Salarial-. Aponta ofensa a dispositivo de lei federal, bem como transcreve arestos para confronto de teses (fls. 215/217).
O Recurso foi admitido mediante o despacho de fls. 218/219.
Não foram oferecidas contrarrazões (fls. 220).
O Recurso não foi submetido a parecer do Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
VOTO
Satisfeitos os pressupostos comuns de admissibilidade do Recurso de Revista, examino os específicos.
1. CONHECIMENTO
1.1. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. MORA SALARIAL
O Tribunal Regional negou provimento ao Recurso Ordinário interposto pelo reclamado quanto ao tema em destaque, sob os seguintes fundamentos:
-9. No caso, veja-se o que disse o recorrido, à f.57: -que a partir 23/04/2007 não compareceu mais ao serviço, ajuizando a presente ação trabalhista, face ao descumprimento da empresa ré de suas obrigações patronais, uma vez que a empresa demandada sempre pagava com atraso o salário do depoente, não tendo pago o salário dos meses de janeiro e fevereiro do ano de 2007, no tocante ao mês de dezembro de 2006, apenas pagou uma parte do salário do depoente, no valor de R$800,00, o qual foi pago no mês de janeiro de 2007; que recebeu incorretamente o valor das férias correspondente ao período aquisitivo 2006/2007, no valor de 1.300,00, férias essas gozadas no período de 12/03/2007 a 12/04/2007; que a empresa também não vinha recolhendo o FGTS do depoente, como tomou conhecimento que a empresa não vinha recolhendo o seu INSS (...)' - destaquei.
10. Oportuno enfatizar que o motivo justificador da resilição do contrato não se subsumiu ao disposto no § 1º do art.2º do Decreto-lei n.368/68, verbis: 'Considera-se mora contumaz o atraso ou sonegação de salários devidos aos empregados, por período igual ou superior a três meses, sem motivo grave e relevante, excluídas as causas pertinentes ao risco do empreendimento ' . Desde logo, o autor auferiu parcela considerável do salário de dezembro/2006 e gozou férias remuneradas, conforme o recibo de f.77, de 10/03/07 a 10/04/07. Pontue-se que o saldo de salários de abril/07 era inexigível, na data do ajuizamento da ação, com pedido de reconhecimento de rescisão indireta (fl. 02 - 23.04.2007). De outro lado, a inobservância de regularidade no pagamento dos salários, no período indicado pelo recorrido não pode ser, efetivamente, a causa para a resolução do contrato. Aliás, configurada a hipótese de demissão voluntária e não de rescisão indireta, nem de abandono de emprego- (fls. 198/200).
O reclamante sustenta que para caracterizar a mora salarial capaz de ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho não é necessário atraso superior a três meses. Aponta violação ao art. 483, aliena -d-, da CLT e transcreve arestos para confronto de teses.
O aresto trazido para confronto de teses a fls. 217, oriundo do TRT da 2ª Região, é divergente, ao consignar que não é necessário que ocorra atraso igual ou superior a três meses para que seja caracterizada a justa causa do empregador elencada no art. 483, aliena -d-, da CLT.
Logo, CONHEÇO, por divergência jurisprudencial.
2. MÉRITO
2.1. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. MORA SALARIAL
A matéria em debate nos autos cinge-se ao prazo necessário para caracterização da mora salarial contumaz capaz de ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho.
Ressalta-se, inicialmente, que o conceito de mora contumaz, previsto no art. 2º, § 1º, do Decreto-Lei 368/68, destina-se apenas a orientar procedimentos de natureza fiscal, não interferindo nos regramentos do Direito do Trabalho relativos à rescisão do contrato de trabalho.
A meu juízo, não é necessário que o atraso no pagamento dos salários se dê por período igual ou superior a três meses, para que se configure a mora salarial justificadora da rescisão indireta do contrato de trabalho (DL 368/1968, art. 2º, § 1º). O atraso no pagamento de salários por dois meses já autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho por culpa do empregador, fundado no art. 483, alínea -d- da CLT.
Nesse mesmo sentido, lembro os seguintes precedentes:
-RECURSO DE REVISTA. 1. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. MORA SALARIAL. Para fins de rescisão indireta do contrato de trabalho, ante a natureza alimentar do salário, não é necessário que ocorra atraso igual ou superior a três meses, para que seja caracterizada a mora salarial contumaz. Recurso de revista conhecido e desprovido- (RR-123000-19.2006.5.17.0005, Ac. 3ª Turma, Rel. Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 9/10/2009).
-RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. MORA SALARIAL. Entende-se que o conceito de mora contumaz, previsto no art. 2º, § 1º, do decreto-lei nº 368/68, destina-se apenas a nortear procedimentos de natureza fiscal, não interferindo nos regramentos atinentes à rescisão do contrato de trabalho. Assim, desnecessário que, apenas após o decurso de três meses de inadimplência salarial, configure-se a mora salarial capaz de ensejar rescisão indireta. Recurso de Revista conhecido e não provido- (RR-172400-29.2007.5.18.0008, Ac. 2ª Turma, Rel. Ministro José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, DEJT 25/9/2009).
-RESCISÃO INDIRETA. MORA SALARIAL. CONFIGURAÇÃO. O Decreto-lei n.º 368/1968 apenas repercute nas esferas administrativa, penal e fiscal, e não na trabalhista em sentido estrito. Assim, no âmbito do Direito do Trabalho, a mora contumaz ali albergada somente tem importância para a área da fiscalização a cargo dos órgãos de inspeção do trabalho, não incidindo no campo do direito individual, para fins de caracterização do ato faltoso do empregador. Até porque o prazo previsto no § 1º do artigo 2º do referido diploma legal - três meses - é extremamente longo para ter aplicação no domínio contratual, mormente considerando-se a natureza alimentar do crédito devido ao obreiro. Não é crível que um empregado tenha que aguardar pacificamente mais de noventa dias para receber a contraprestação pecuniária pelo trabalho já realizado. Dessa forma, o atraso no pagamento dos salários, independentemente de configurar a mora contumaz nos moldes do artigo 2º, § 1º, do Decreto-lei n.º 368/1968 e desde que não seja meramente eventual, carateriza inadimplemento das obrigações contratuais por parte do empregador, ensejando a resolução do contrato por ato culposo da reclamada, na forma do artigo 483, d, da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe: -o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando (...) não cumprir o empregador as obrigações do contrato-. Lembre-se que o salário é a principal obrigação do empregador no âmbito do contrato de trabalho. Recurso de revista conhecido e provido- (RR-43300-75.2005.5.10.0020, Ac. 1ª Turma, Rel. Ministro Lelio Bentes Corrêa, DEJT 18/9/2009).
-RECURSO DE REVISTA. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. MORA SALARIAL. O quadro fático delineado no acórdão recorrido revela que, à época do ajuizamento da presente ação, o reclamado devia ao reclamante dois meses de salário e uma parcela da gratificação natalina. O Tribunal Regional considerou que o atraso salarial inferior a três meses não caracteriza falta grave do empregador, apta a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho. Tal decisão ofende o artigo 483, d , da CLT, pois restou evidente o descumprimento de importante obrigação contratual por parte do empregador. Considerando-se que o salário tem natureza alimentar, não é razoável exigir do empregado que suporte três meses de trabalho sem a competente paga, para, só depois, pleitear em juízo a rescisão do contrato, por justa causa do empregador. O atraso salarial de apenas um mês já é suficiente para causar grandes transtornos ao trabalhador, que se vê privado de sua única ou principal fonte de renda e, consequentemente, fica impedido de prover o sustento próprio e de seus familiares, bem como de honrar seus compromissos financeiros. O conceito de mora contumaz, estabelecido no § 1º do artigo 2º do Decreto-Lei nº 368/1968, destina-se apenas a nortear procedimentos de natureza fiscal e penal, não interferindo nos regramentos atinentes à rescisão do contrato de trabalho- (RR-771212/2001, Ac. 7ª Turma, Rel. Ministro Pedro Paulo Teixeira Manus, DJ 5/9/2008).
-RECURSO DE REVISTA. RESCISÃO INDIRETA. ATRASO NO PAGAMENTO DE SALÁRIOS POR DOIS MESES. CARACTERIZAÇÃO. ARTIGO 483, D, DA CLT. O atraso no pagamento de salários por dois meses autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho, em face não apenas da natureza alimentar da contraprestação do trabalho, mas também e principalmente, do princípio da proporcionalidade, tendo em vista que, conforme o artigo 482, i, da CLT e a jurisprudência pacífica da Justiça do Trabalho, o descumprimento da obrigação contratual elementar do empregado de comparecer ao serviço por período de apenas 30 dias metade daquele em que a Reclamada, no presente feito, descumpriu seu dever elementar de pagar os salários do Reclamante já é suficiente para caracterização da justa causa por abandono de emprego. Recurso de revista provido.- (RR-6/2000-067-02-00.2, Ac. 6ª Turma, Rel. Ministro Horácio Senna Pires, DJ 20/10/2006).
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao Recurso de Revista para, reconhecendo que a extinção do contrato de trabalho se deu por rescisão indireta, restabelecer a sentença no tocante ao tema em apreço.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Recurso de Revista por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para, reconhecendo que a extinção do contrato de trabalho se deu por rescisão indireta, restabelecer a sentença no tocante ao tema em apreço.
Brasília, 11 de maio de 2011.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
João Batista Brito Pereira
Ministro Relator

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